Arte, sombra e Ɣgua quente a duas horas da capital
newsletter - Carta de Notícias por Roberto Maxwell

Roberto Maxwell
4 de jun. de 2022
Nesta edição, vamos viajar ao som da mĆŗsica brasileira do final dos anos 1960 e do inĆcio dos 1970, com um pezinho na psicodelia. Toque aqui ou no player abaixo.
Subir a serra era o meu programa preferido de fĆ©rias. Como um carioca meio invertido, ao invĆ©s de ir Ć praia, eu preferia as temperaturas amenas de Petrópolis, onde vivia boa parte da minha famĆlia paterna. A Cidade Imperial, com suas montanhas e Ć”reas florestadas, Ć© parte das minhas melhores memórias da adolescĆŖncia.
Quando me mudei para Tóquio, redescobri a sensação de ter um abrigo na serra com Hakone (lĆŖ-se ārakonĆŖā). Os paralelos nĆ£o sĆ£o exagerados. A cidade da provĆncia de Kanagawa fica a menos de 2 horas de Tóquio e o caminho cheio de curvas acentuadas e debaixo da sombra das Ć”rvores me traz Ć memória a Rio-Petrópolis. O clima ameno, o ar mais puro e atĆ© um palĆ”cio de veraneio: tem muita coisa em comum. Por isso, acabei me afeiƧoando fortemente a Hakone. Nesta ācarta de notĆciasā quero contar um pouco sobre este refĆŗgio nas montanhas e compartilhar com vocĆŖs os meus lugares preferidos. Vamos nessa?
Um destino diversificado
Considerada a maior estação ferroviĆ”ria do mundo, Shinjuku Ć© a parada para mais de uma dezena de linhas de trens e metrĆ“. Mais de 3,5 milhƵes de passageiros embarcam e desembarcam das composiƧƵes que levam para diversas partes da capital japonesa e do paĆs. NĆ£o Ć© exagero dizer que a estação de Shinjuku Ć© um universo. Perder-se e se encontrar aqui Ć© um desafio que todo mundo que escolhe viver em Tóquio precisa vencer.
Ć desse lugar tĆ£o simbólico que parte o Romance Car, um expresso turĆstico que liga Tóquio a Hakone. Os trens de design elegante funcionam como uma cĆ”psula que transportam os toquiotas do seu mundo caótico para uma outra dimensĆ£o, em que o tempo corre mais lento. SĆ£o vĆ”rias saĆdas por dia, o que faz com que a viagem seja bastante acessĆvel, mesmo em tempos de grande movimentação turĆstica.

Por isso, Hakone é um dos refúgios de fim-de-semana preferidos do povo de Tóquio, que costuma sair cedinho no sÔbado de manhã para aproveitar bem o tempo na localidade, primariamente conhecida como estância de Ôguas termais. Mas não é só isso. Hakone aprendeu a diversificar. As trilhas na natureza, a vista do Monte Fuji, a boa comida e os museus de arte atraem todo o tipo de público, gente Ôvida por alguns momentos de descanso do frenesi da grande metrópole.
Os tetsudÅ fans ā loucos por ferrovias ā sĆ£o um exemplo. E tem uma razĆ£o para isso. O expresso turĆstico de Hakone funciona com diferentes composiƧƵes, cada uma delas com design diferente. Só isso jĆ” chama a atenção, mesmo dos que nĆ£o manjam nada de trem. Mas tem mais. A subida da serra Ć© feita por um pequeno mas potente trem que vai vencendo a montanha em ziguezague, alternando a direção ao longo da viagem. No final da rota, quando o gradiente jĆ” nĆ£o permite mais a subida de composiƧƵes maiores, os passageiros trocam para um plano inclinado que sobe 209 metros em seis estaƧƵes. Os diversos modais fazem a alegria de quem adora trens e nĆ£o vai ser difĆcil identificar os tetsudÅ fans no caminho. SĆ£o eles āou melhor dizendo, nós ā que vocĆŖ vai ver tirando fotos dos trens de diversos Ć¢ngulos, nas plataformas, antes dos horĆ”rios de partida ou na hora do desembarque.

PĆ© de serra
Com raras exceƧƵes, o Romance Car sai pontualmente, mesmo circulando por uma das Ć”reas de maior gargalo ferroviĆ”rio de Tóquio. Pela janela do trem, Ć© possĆvel ver os arranha-cĆ©us de Shinjuku dando lugar Ć s residĆŖncias das zonas suburbanas que aparecem intercaladas com os prĆ©dios comerciais das estaƧƵes maiores como Noborito e Sagami-Ono. Mas nĆ£o demora muito para o adensamento urbano ser substituĆdo por campos de arroz e, a esta altura da viagem, quem se senta do lado direito do trem jĆ” deve ter visto o Monte Fuji bem ao longe, por entre as casinhas.
Passada a estação de Odawara, o trem diminui a marcha e a paisagem muda completamente. Estamos começando a subir a montanha e falta pouco para chegarmos ao terminal desta primeira viagem, Hakone-Yumoto. Os 88 quilÓmetros são vencidos em uma hora e 40 minutos.
O fim da jornada do Romance Car Ć©, na verdade, o inĆcio do caminho para quem visita Hakone. Isso porque Yumoto Ć© apenas a entrada da cidade. Ainda assim, dependendo do tempo que se tem, vale a pena explorar um pouco a Ć”rea a pĆ© a Ć”rea. Nas ruazinhas de trĆ”s dos pontos de Ć“nibus ficam pequenos restaurantes e pousadas, alguns deles Ć s margens do Rio Haya.
Seguindo pelas ruelas, dÔ para chegar ao Meet Geisha, um espaço dedicado a resgatar a tradição das gueixas em Hakone. Honestamente, nunca fui. Mas a cidade não tem poupado esforços em reviver esse passado, o que me soa um tanto anacrÓnico.
Atravessando a Ponte Ajisai, fica o hotel Yumoto Fujiya, o maior da Ôrea, além de museus, pequenos templos e santuÔrios e a prefeitura de Hakone. Recomendo, no entanto, não perder muito tempo no bairro. Isso porque Yumoto é somente o pé da serra. A partir daqui que as diversas rotas levam às Ôreas da cidade com mais experiências.
Numa caminhada de cerca de 25 minutos montanha acima fica o Tenzan, uma das casas de banho termal mais interessantes de Hakone. JĆ” conhecia a reputação do local quando recebi uma visita ilustre. O Marcello Ć© um amigo de BelĆ©m do ParĆ” apaixonado pelo JapĆ£o. Vir ao paĆs era um sonho dele e visitar um onsen ā nome em japonĆŖs dos banhos termais ā fazia parte do longo checklist dele. PorĆ©m, o Marcello Ć© tatuado e sabia que ia ser difĆcil entrar num estabelecimento destes por causa disso.
NĆ£o Ć© segredo para quase ninguĆ©m que as tatuagens no JapĆ£o sĆ£o associadas com os membros da yakuza, a mĆ”fia local. Sendo assim, muita gente ā em especial mais velha e que viveu sob o terror do crime organizado em sua Ć©poca Ć”urea ā teme os mafiosos. Suponho que para essas pessoas as tatuagens tragam, como se costuma dizer nos dias de hoje, gatilhos.
Some-se a isso o fato de que uma lei mais recente passou a proibir qualquer estabelecimento de fazer transaƧƵes comerciais com membros da yakuza. Ć uma forma de evitar a compra de serviƧos obrigatórios de seguranƧa ou de coleta de lixo, fontes de renda de alguns grupos criminosos. Pensa no que fazem as milĆcias em grandes cidades do Brasil. Ć mais ou menos o mesmo.
Enfim, como estĆ” todo mundo nu nos banhos de Ć”guas termais, fica difĆcil esconder as tatuagens, gerando uma sĆ©rie de situaƧƵes ainda desconfortĆ”veis para alguns. Assim, para evitar a evasĆ£o de clientes amedrontados ou o risco de atender a alguĆ©m que seja de fato mafioso, a grande maioria dos onsen proĆbe a entrada de pessoas tatuadas.

PorĆ©m, na Ćŗltima dĆ©cada, essa polĆtica passou a ser severamente criticada. Antes de mais nada porque aumentou drasticamente o nĆŗmero de estrangeiros vivendo no paĆs. Subiu ainda mais o nĆŗmero de viajantes internacionais, que se tornaram uma fonte de renda difĆcil de dispensar em zonas turĆsticas como Hakone. No Brasil e em muitos paĆses da Europa e das AmĆ©ricas ter tatuagens se tornou relativamente comum. E, obviamente, a esmagadora maioria desses estrangeiros nĆ£o tem nenhuma relação com a yakuza.
Além disso, a tradição de se tatuar vem perdendo popularidade entre os mafiosos. Com a repressão mais dura e os yakuza atuando cada vez mais no limite entre o legal e o ilegal, tatuados se tornam alvos mais fÔceis em investigações. Assim, aos poucos, a tatuagem tem deixado de ser uma marca dos mafiosos e, como consequência, tem crescido o número de estabelecimentos que vêm abrindo mão da proibição.
O Tenzan é um exemplo. Por isso, foi o local que eu escolhi para levar o Marcello e, depois dele, vÔrios outros amigos e clientes tatuados que queriam curtir um onsen no Japão. A casa de banhos fica num complexo que reúne, também, hospedagem e restaurante. O espaço fica às margens do Rio Sukumo, que desce serpenteando até se juntar com o Haya, num local próximo à estação de Yumoto. A Ôrea é toda florestada, os diversos prédios de madeira são muito bem integrados ao entorno.
Os banhos são separados por gênero. Então, não sei contar para vocês como é o espaço feminino. No masculino, o interno é todo revestido em madeira e o externo, com rochas escuras e cercado de verde. A iluminação, perfeita para o relaxamento, ganha um clima especial com a fumaça formada pelo contato da Ôgua quente com o exterior. Tudo é pensado para te envolver num clima de conexão consigo mesmo e com o entorno.
Ah, antes do banho, nĆ£o deixe de visitar os outros prĆ©dios que compƵem o espaƧo. Os longos corredores de madeira e a decoração mĆnima sempre me transportaram para um tempo-lugar muito distante.
Na alfândega
A Hakone dos dias de hoje é uma das estâncias de Ôguas termais mais populares da Região de Kanto que engloba, também, Tóquio. Porém, a localidade tem uma importância histórica que pouca gente conhece. A cidade é cortada pela Tokaido, antiga via que conecta, desde o século 7, as cidades que chamamos hoje de Tóquio e Kyoto.
Durante o Xogunato Tokugawa (1603-1868), a atual capital japonesa se chamava Edo e era o centro do poder militar do paĆs. Na Ć©poca, os daimyo ā donatĆ”rios de largos domĆnios ā eram obrigados a passar uma temporada em Edo a cada dois anos. AlĆ©m disso, eles deveriam deixar na cidade sua famĆlia mais próxima: esposa e filhos pequenos. Assim, os senhores regionais eram obrigados a circular entre seus domĆnios e Edo, e muitos deles usavam a Tokaido.
Na Ôrea ao sul do Lago Ashi, dentro do território da atual Hakone, ficava um posto de fiscalização que funcionava como uma espécie de alfândega. A função dos oficiais de Hakone era controlar a entrada em Edo e coibir a fuga de bens e de pessoas. O local de controle é chamado em japonês de Hakone Sekisho e é pouco conhecido pelos viajantes internacionais.
Localizada Ć s margens do Lago Ashi, perto do Porto de Hakonemachi, essa antiga alfĆ¢ndega Ć© precedida por uma charmosa rua com casinhas de madeira. O passeio Ć© cheio de lojinhas voltadas para turistas, com presentinhos e comidinhas. Aqui tambĆ©m fica o Sekisho Karakuri Museum, onde se pode conhecer um produto artesanal tĆpico de Hakone. Karakuri Ć© um tipo de caixa de madeira com um sistema de trancamento que funciona como um quebra-cabeƧa. Ela foi inventada hĆ” mais de 100 anos por um artesĆ£o local e acabou se tornando um dos souvenirs mais tĆpicos de Hakone. A caixas sĆ£o um charme e a engenhosidade das trancas Ć© surpreendente. Sempre tenho dificuldades de memorizar os passos para abrĆ-las. O pessoal do espaƧo Ć© uma simpatia e vale super a pena passar por lĆ”.

Seguindo em frente, chegamos no posto de checagem que foi restaurado e é aberto a público. Com bonecos e algumas legendas, dÔ para entender bem como funcionava a repartição. Bem atrÔs do posto fica a torre de vigilância. A subida é meio penosa, mas a vista de cima é muito bonita. DÔ até para ver um pedaço do Monte Fuji, escondido pelas montanhas que cercam o lago.
A alguns metros, fica o Museu da Alfândega, com artefatos e explicações detalhadas sobre a história do local. Aqui que a gente descobre que as esposas dos daimyo tinham estrategias para fugir de Edo, por exemplo. Quem gosta de história não deve perder.
Seguindo em frente, a gente percebe duas rotas entre as Ć”rvores. Ambas seguem na direção do Porto de Motohakone, passando pelo Onshi Koen, o Parque Imperial. Esse passeio Ć© uma oportunidade para tomar um ābanho de florestaā, ou shinrin-yoku, uma expressĆ£o muito em voga entre os japoneses.
O Onshi Koen fica no alto de uma colina e muita gente, por preguiƧa, passa batido pela subida. NĆ£o faƧa isso. LĆ” em cima fica uma pequena residĆŖncia em estilo ocidental, construĆda para ser um palĆ”cio de veraneio para a FamĆlia Imperial. A entrada no prĆ©dio Ć© franca. A casa abriga um pequeno museu e da varanda do segundo piso Ć© possĆvel ter uma boa vista do Lago Ashi.

Mas o melhor da colina estÔ hÔ alguns metros de distância da casa. O caminho até lÔ passa por um belo jardim japonês, daqueles de pintura, com as Ôrvores bem podadas, de copa arredondada. O passeio encantador leva até um observatório com uma ampla vista do Lago Ashi e o Monte Fuji ao fundo. Um lindo lugar para uma parada.
A caldeira e a montanha
Ver as Ć”guas tranquilas do lago e os barcos deslizando calmamente pelo espelho dāĆ”gua nĆ£o dĆ£o a ideia do evento gigantesco que deu origem ao Ashi. Formado hĆ” cerca de trĆŖs milĆŖnios, o lago Ć© a caldeira resultante de uma das erupƧƵes do Monte Hakone. AliĆ”s, a presenƧa do Monte Fuji ali nĆ£o Ć© um acaso. Toda a regiĆ£o Ć© parte de um parque nacional que compreende a montanha mais alta do JapĆ£o, o seu entorno, todas as formaƧƵes montanhosas atĆ© a PenĆnsula de Izu e, por fim, uma sĆ©rie de ilhas mar a dentro. Tudo formado a partir da intensa atividade de tectĆ“nica da regiĆ£o.
O fenĆ“meno fica muito mais visĆvel quando vocĆŖ viaja no Hakone Ropeway. O telefĆ©rico parte da margem norte do lago, em Togendai, e segue montanha acima para cruzar chegar numa localidade chamada Sounzan. A viagem Ć© dividida em duas seƧƵes, a primeira delas com terminal em Owakidani, um impressionante vale de gases termais.
Na subida, quem senta de frente para o lago comeƧa a ver a paisagem ficar cada vez mais aberta, atĆ© que o Ashi nĆ£o pode ser mais visto. Alguns poucos minutos depois, do lado direito, uma outra ācriaturaā comeƧa a emergir. Ć o Monte Fuji que vai se revelando aos poucos, conforme o telefĆ©rico sobe. Do alto, dĆ” para ver como a montanha de quase 3,8 mil metros se impƵe sobre as demais.
AliĆ”s, tem um outro lugar na regiĆ£o em que a vista do Monte Fuji tambĆ©m Ć© de tirar o fĆ“lego. AlĆ©m do Hakone Ropeway, existe um outro telefĆ©rico na Ć”rea do Lago Ashi. Ele leva atĆ© o Komagatake, um dos picos do Monte Hakone, na margem leste do lago. SĆ£o cerca de 1356 metros de altitude com uma vista majestosa do Fuji. Ć, sem dĆŗvida, uma das melhores visƵes que eu jĆ” tive do vulcĆ£o mais famoso da Ćsia.

No Komagatake tambĆ©m fica o Hakone Mototsumiya, um pequeno santuĆ”rio xintoĆsta num local de grande dramaticidade. A escadaria, o portal colorado e o pequeno salĆ£o sĆ£o cercados de rochas de diversos tamanhos. Aqui, o vento e a fĆ© sĆ£o fortes. No passado, este era o santuĆ”rio principal da regiĆ£o e os monges e fiĆ©is subiam a pĆ© pelas rotas montanha acima para fazer suas preces. Os visitantes de hoje mantĆŖm a tradição de empilhar pedras em reverĆŖncia aos deuses, dentre eles o próprio Monte Fuji.
Ah, vale lembrar uma coisa: como muitas divindades, o Fuji é caprichoso. Isso porque a montanha é alta e acaba atraindo nuvens. De onde quer que você queira ver o Fuji em Hakone, chegue cedo. Você terÔ mais chance de admirÔ-lo pela manhã. Além disso, a visibilidade também fica melhor no inverno, quando chove menos.

Gases vulcânicos
Assim como o Fuji, o Monte Hakone Ć© um vulcĆ£o ativo. A diferenƧa Ć© que ele expele gases. Nos Ćŗltimos anos, a atividade vulcĆ¢nica da Ć”rea cresceu muito e algumas trilhas acabaram sendo fechadas por causa disso. Mesmo o funcionamento do Hakone Ropeway chegou a ser afetado. Em dias āagitadosā, os funcionĆ”rios da operadora das gĆ“ndolas distribuem um kit com mĆ”scara Ćŗmida e outros itens Ćŗteis para proteger as vias respiratórias. Se a situação sai do patamar aceitĆ”vel, o telefĆ©rico simplesmente para de funcionar.
Como dito lÔ em cima, a primeira seção da viagem termina em Owakudani. O local é um vale de encostas quase nuas e solo de argila, com partes amarelo-esverdeadas, de onde brotam jatos de fumaça. O Owakidani é como uma fissura na montanha, por onde escapa o que a Terra jÔ não consegue mais segurar. Os gases matam lentamente as Ôrvores na encosta, que seguem ali apenas como testemunhos de uma força que é a mesma que aquece as Ôguas usadas nos banhos da região.

No entorno da estação ficam observatórios, um museu, algumas lojas de souvenir e uma curta rota na montanha que culmina numa casinha. Ć o Caminho de Pesquisas de Owakidani que ficou fechado por cerca de sete anos por causa da atividade vulcĆ¢nica. Nele, dĆ” para ver as fumarolas mais de perto e as Ć”guas termais brotando do solo. AlĆ©m disso, tambĆ©m Ć© possĆvel observar as espĆ©cies de plantas que vivem na Ć”rea, em especial as gramĆneas como o alecrim japonĆŖs, que sĆ£o mais resistentes que os arbustos. No final da curta jornada, recomendo provar a iguaria mais famosa do local, o ovo cozido lentamente nas Ć”guas termais que, com sua casca preta, ganha tambĆ©m um certo charme.
Luxo e gastronomia na serra
Como boa estĆ¢ncia de Ć”guas termais, Hakone Ć© um excelente lugar para comer e dormir. Existem hotĆ©is em estilo ocidental na regiĆ£o, mas muita gente opta por ficar nos ryokan (lĆŖ-se com o ārā brando como em ācaroā), pousadas com serviƧo e modo de dormir no estilo japonĆŖs.
Na maior parte dos casos, uma pessoa costuma ser designada para o cuidado com cada quarto. Quase sempre uma mulher impecavelmente vestida de quimono, ela fica responsÔvel por recepcionar os hóspedes, servir o jantar e o café da manhã na acomodação e preparar os futon após o banho. (Sim, é comum entrar no ofurÓ, os banhos de imersão, após o jantar.) AliÔs, o espaço dos aposentos é bem interessante. Com piso de palha no estilo tatami, o quarto é sempre minimalista em termos de decoração e mobiliÔrio. Assim, pode ser usado para vÔrias atividades.

Os banhos sĆ£o uma atração a parte. Quem Ć© mais reservado pode optar por hospedagens que oferecem quartos com ofurĆ“. Essa Ć© uma opção apenas para os ryokan de luxo. Hospedagens mais em conta oferecem os banhos coletivos, separados por gĆŖnero, que tambĆ©m existem nos locais de alto custo. AlĆ©m disso, tem acomodaƧƵes que oferecem banhos privados fora dos quartos que podem ser alugados por perĆodos.
Em todos os casos, os japoneses se banham nus e sei que isso acaba sendo um problema para muitos brasileiros. Fico com dó de saber que tem gente que sente vergonha de usar os banhos por causa disso. JĆ” recebi mensagens de pessoas que se sentem constrangida por causa do peso, por exemplo. Quando morava no Brasil, eu nĆ£o frequentava as praias do Rio pelo mesmo motivo. Sendo gordo, sei como Ć© lidar com o corpo e a autoaceitação Ć© um processo contĆnuo para mim. Mas os anos de vida no JapĆ£o me ensinaram que a Ć”gua nĆ£o discrimina ninguĆ©m.
Então, se você precisa de mais um tempo para se acostumar com a ideia de se banhar na frente de outras pessoas, escolha um ryokan que tenha banho privado. Esses banhos podem ser usados por qualquer hóspede e você só precisa reservÔ-los com antecedência. Use o canal de comunicação com o hotel para isso. Em alguns casos, o acesso aos banhos privados é gratuito. Mas hÔ ryokan que cobre a parte o uso desses espaços.
As pousadas japonesas também são uma oportunidade de conhecer melhor o que se convencionou chamar de washoku, a alta gastronomia do Japão. Em muitos casos, as refeições são servidas no estilo mini-kaiseki, com pequenas porções com diferentes ingredientes e preparos. Os menus são sazonais.
Tenha em mente que serÔ uma experiência gastronÓmica diferente. Ainda assim, você pode informar na reserva ou no check-in sobre alergias ou alimentos não desejados. Depois de anos de experiência lidando com viajantes brasileiros, passei a recomendar a pessoas que têm muitas restrições alimentares que pensem bem antes de optar por uma ou outra hospedagem. Você sempre pode escolher a estadia sem refeições, claro. Mas é preciso considerar que sair para jantar em muitas Ôreas de Hakone pode ser um desafio. Portanto, veja bem a localização e os serviços oferecidos pelo ryokan para que a sua experiência seja excepcional.
AliÔs, é por conta dessa questão do jantar que eu gosto muito de ficar em Gora. No bairro, estão dois restaurantes que eu adoro e ambos levam a assinatura do chef-celebridade Nobuyuki Matsuhisa: o Itoh by Nobu e o Gora Brewery & Grill. Com perfis diferentes, os estabelecimentos são opções para quem não estÔ afim de mergulhar muito fundo na gastronomia japonesa.

O Itoh by Nobu é um restaurante de teppanyaki, ou seja, que serve carnes e outros ingredientes preparados na chapa. à uma oportunidade para quem quer provar o wagyu, a carne bovina altamente marmorizada do Japão.
JÔ o Gora Brewery & Grill é cozinha fusion, com peixes, carnes e vegetais preparados com técnicas locais e internacionais. Além da boa comida, o espaço produz sua própria cerveja. Na entrada, a casa oferece um charmoso ashiyu, um escalda-pés que eu adoro. Não deixe de levar uma toalhinha.
Artes em destaque
Uma das coisas que eu acho mais interessantes em Hakone é o modo como a cidade conseguiu ir além do que se espera de uma estância de Ôguas termais. E o caminho para atingir esse patamar foi investir em arte. São diversos museus espalhados pela localidade, sendo o mais conhecido deles o Hakone Open Air Museum, dedicado primariamente à escultura.
Primeiro museu ao céu aberto do Japão, a instituição começou a funcionar em 1969. São mais de mil esculturas no acervo e cerca de 100 delas ficam em exposição permanente. Obras de nomes como Miró, Henry Moore e outros artistas de diversas partes do mundo estão espalhadas pelo imenso jardim que é um convite para uma boa caminhada.

AlĆ©m disso, existem os pavilhƵes que recebem exposiƧƵes permanentes e temporĆ”rias. O mais conhecido deles Ć© o do Picasso, com obras menos conhecidas e muitos croquis do artista espanhol. Nos outros espaƧos, rolam exibiƧƵes temĆ”ticas e atividades de educação artĆstica voltadas para a crianƧada.
AliĆ”s, os pequenos nĆ£o apenas tĆŖm todo o circuito do jardim para percorrer, como um pavilhĆ£o todo em madeira e uma escultura em acrĆlico inteiramente dedicados a eles. NĆ£o tem crianƧa que nĆ£o se divirta com tanto espaƧo! AlĆ©m disso, o museu tambĆ©m tem um escalda-pĆ©s. No local, eles vendem uma toalhinha para quem esqueceu de levar a sua. Mas, enfim, vocĆŖ jĆ” estĆ” avisada.

Acho Hakone um dos destinos de viagem mais bacanas dentro do JapĆ£o. Poucos lugares fora das grandes metrópoles sĆ£o tĆ£o bem preparados para receber turistas no paĆs. E, melhor, oferecendo tambĆ©m opƧƵes que passam longe do turismo de massa. JĆ” vi gente que decidiu nĆ£o ir a Hakone por ter visto o barco pirata que cruza o Lago Ashi. NĆ£o caia nessa. Longe de ser uma armadilha pega-turista, a embarcação faz parte da infraestrutura de circulação da cidade, alĆ©m de oferecer um belo e tranquilo passeio, uma oportunidade de contemplar as belezas locais sem pressa. AliĆ”s, essa deve ser a tĆ“nica da sua estadia em Hakone.
Adoro programas de gastronomia. Na primeira temporada do Chefās Table da Netflix, o argentino Francis Mallman aparece assando um peixe um banquete, na beira de um lago. Toda vez que viajo no barco pirata de Hakone me pego escaneando as margens do Ashi em busca de um pedacinho de terra para construir uma casa de madeira, montar uma assadeira de lenha e preparar uns crepes cheios de doce de leite, como os que o Mallman faz no programa. Esse Ć© o meu sonho de aposentadoria.

ServiƧo
Como chegar em Hakone?
Partindo de Shinjuku, embarque no Romance Car da companhia ferroviĆ”ria Odakyu. SĆ£o quase 2 horas de viagem atĆ© Hakone-Yumoto, a entrada da cidade. TambĆ©m Ć© possĆvel ir de trens locais, que custam um pouco mais barato. Basta embarcar no trem expresso da linha Odawara, tambĆ©m operada pela Odakyu. VĆ” atĆ© o terminal Odawara, onde vocĆŖ pode fazer baldeação para a linha Hakone Tozan atĆ© Yumoto.
Como circular em Hakone?
Antes de tudo, compre o Hakone Free Pass. O custo para dois dias é de „6100 (cerca de USD47), se você estiver partindo de Shinjuku. Mesmo que você faça um bate e volta, vale muito a pena. Isso porque o passe inclui todo o transporte que você vai precisar para fazer o circuito da cidade, inclusive o Romance Car, do qual você paga apenas a taxa de uso do trem expresso limitado, cerca de metade da tarifa.
Com o passe vocĆŖ pode partir de Shinjuku e ir atĆ© Yumoto de trem. Em seguida, pode optar por usar o Ć“nibus para ir atĆ© a Ć”rea do Lago Ashi e da antiga alfĆ¢ndega. Dali, vocĆŖ pode embarcar no barco pirata atĆ© o Hakone Ropeway. De telefĆ©rico, vocĆŖ chega a Owakudani e, depois, a Sounzan, onde vocĆŖ embarca no plano inclinado para Gora, onde ficam os restaurantes do chef Nobu, muitos dos ryokan mais legais e o Hakone Open Air Museum. Depois, vocĆŖ pode usar o trem para descer pela belĆssima linha Hakone Tozan atĆ© Yumoto. Essa rota circular Ć© a mais clĆ”ssica de Hakone. Mas qualquer que seja o seu roteiro, Ć© bem provĆ”vel que vĆ” usar vĆ”rios transportes pĆŗblicos e, neste caso, o passe vai valer a pena.

Só fica de olho em uma coisa. Os transportes em Hakone são explorados por duas empresas. O passe vale para a Hakone Tozan/Odakyu. A Izu Hakone Bus também opera linhas de Ónibus, rotas de barco no lago e o teleférico de Komagatake. A confusão quase sempre acontece nos Ónibus, que fazem rotas parecidas. Então, tenha atenção aos carros que têm cor branca e azul. Eles não aceitam o Hakone Free Pass. Na dúvida, faça sinal, jÔ que os horÔrios são limitados. Como o embarque é pela porta dianteira, o mÔximo que vai acontecer é o motorista não te deixar embarcar quando você mostrar o passe.
Onde ir?
São tantas opções do que fazer em Hakone e um dia, sem dúvidas, não é suficiente. Montei um mapinha maroto com tudo o que eu indico na cidade, de hospedagem a restaurantes. Confira aqui.