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Apresentação no festival Arai Tenjin Kitano

matsuri
COM O SAGRADO
NOS OMBROS

O sonho – e a realidade – de carregar um mikoshi, o santuário portátil usado para transportar divindades, pelas ruas da capital

texto e fotos: Ivan Nozaki

Choisa! Choisa! Choisa!” O grito dita o ritmo para quem carrega o mikoshi, santuário em miniatura usado para transportar divindades em eventos xintoístas, pelas ruas do bairro de Arai, em Nakano, um dos 23 distritos especiais de Tóquio. O cortejo ocorre em setembro, durante o Arai Tenjin Kitano Matsuri, principal festival do santuário Arai Tenjin Kitano.

 

O peso do objeto (que lembra um andor, na referência cristã) varia, mas costuma ser sustentado nos ombros por pelo menos uma dúzia de pessoas, entre membros da comunidade e convidados. Todos
devem vestir o hanten, tipo de quimono curto usado em festivais – cada grupo tem o seu, com cores e estampas que o identificam.

 

Apesar do esforço, que em alguns matsuri – os festivais japoneses – envolve carregar o mikoshi sob sol forte e vencer escadarias, o senso de unidade e de integração acalma o corpo e eleva a mente. Mas, antes de conhecer essa sensação, que experimentei algumas vezes, eu só queria mesmo era “ajudar a carregar aquela casinha”.

O início

Como descendente de japoneses orgulhoso de sua origem, sempre quis conhecer o país dos meus avós.

Na infância,
ouvia histórias
sobre aquela terra
distante, onde
as folhas ficam
vermelhas no
outono, ao som de
douyou, as cantigas
de criança.

Ao mesmo tempo, a imagem que eu tinha do Japão era parecida com Assaí, no norte do Paraná, minha cidade natal. Isso porque o município foi fundado por japoneses, em 1932, e mantém uma comunidade que organiza eventos ligados à cultura nipônica, dos quais sempre fiz parte. Entre eles estão os matsuri, festivais tradicionais em homenagem aos deuses e as ancestrais, por exemplo. Durante todo o ano, os matsuri tomam as ruas de cidades no Japão, e também no exterior onde há forte presença nikkei – ou seja, de descendentes de japoneses. Em 2020 as festividades foram suspensas devido à pandemia.

 

Em terras nipônicas, foi justamente em um matsuri que me senti em casa pela primeira vez. Era o ano 2000, quando cheguei à cidade de Nagano, na província de mesmo nome, como bolsista de um programa para descendentes. O evento foi o Matsumoto Bon Bon, que ocorre durante o primeiro sábado de agosto na cidade de Matsumoto. Os desfiles de grupos que dançam e entoam cantos em sincronia me contagiaram por lembrar o Bon Odori, o Dia de Finados japonês, em Assaí.

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Mikoshi: santuário portátil é o meio de transporte das divindades

Aquela “casinha”

Desde pequeno, a imagem do mikoshi em livros e revistas ficou na minha cabeça. No Japão definitivamente desde 2004, acompanho os matsuri das cidades onde moro – sempre desejando carregar aquela “casinha” da infância nos ombros.

 

Na região de Kanto, onde fica Tóquio, os matsuri com cortejo de mikoshi são mais comuns. Mas como carregá-lo sem pertencer a nenhuma associação? Minha tática foi assistir a todos os festivais possíveis para, quem sabe, um dia e carregar o mikoshi.

 

Um desses festivais, no bairro de Numabukuro, abriu as portas para mim. Certo dia, puxei conversa com uma das turmas concentradas, o grupo de jovens da associação Arai Nishi, e assuntei sobre como poderia participar. Descobri que eles tinham sido convidados pela associação local, responsável pelo festival do santuário Numabukuro Hikawa, e que representam o bairro vizinho de Arai.

 

Um dos festivais daquela área, no prestigiado santuário Arai Tenjin Kitano, seria no mês seguinte e eu finalmente fui convidado.

O protetor de Arai

O Arai Tenjin Kitano teria sido fundado na Era Tensho (1573 a 1592) para proteger a vila do entorno, cujo nome vem de um poço que existe até hoje. O santuário tem duas divindades: Sugawara no Michizane, importante poeta, estudioso e político do Período Heian (794-1185), hoje reverenciado como a divindade dos estudos Tenman-Tenjin, e Ukemochi-no-kami, relacionada aos alimentos e à fertilidade.

O santuário Arai Tenjin Kitano

(foto: Carbonium/Wikipedia)

Wasshoi!

O Arai Tenjin Kitano Matsuri ocorre em setembro, quando os moradores pedem proteção e agradecem a fartura. A área é dividida em cinco associações de bairro (ou chokai), e o Arai Nishi, a oeste, é uma delas. Cada chokai tem seu mikoshi e o ponto alto do festival é quando todos se encontram no Arai Tenjin Kitano. No sábado, cada associação recebe a visita do sacerdote do santuário, em uma cerimônia que autoriza que as divindades utilizem o mikoshi como transporte e abençoem o bairro. Ainda pela manhã, há uma procissão com dois mikoshi menores carregados por crianças sob gritos de “wasshoi!”, uma palavra de incentivo com significado que remete a ideias como “carreguem” ou, ainda, “todos juntos”. O grito “choisa!”, sem um significado específico, ambienta o cortejo principal, conduzido pelo grupo Arai Nishi ao entardecer.
 

No domingo, todos os mikoshi finalmente se encontram no Arai Tenjin Kitano para uma cerimônia. As crianças são recebidas pela manhã, e então retornam às suas áreas para ganhar doces e sorvete. Ao anoitecer, os mikoshi das cinco associações seguem pelas ruas de Arai. Um momento bastante esperado é o encontro dos grupos Arai Nishi e Arai Minami, da porção sul, para seguirem juntos até o cruzamento da avenidas Waseda e Nakano. No meio do caminho, a Arai Higashi, do leste, se une ao cortejo e, já na entrada do santuário, as outras duas associações (Arai Kita, do norte, e Arai Naka, da região central), se juntam e seguem para o pátio do Arai Tenjin Kitano. Uma cerimônia encerra o trajeto. Com cada mikoshi de volta à sua concentração, os participantes confraternizam com comida e bebida.

 

No dia seguinte, pela manhã, o sacerdote visita cada associação e realiza a cerimônia final, para que as divindades voltem ao mundo espiritual. A desmontagem das barracas mais uma vez me transportou aos eventos nipo-brasileiros de Assaí – e lembrou que vivenciar uma comunidade significa muito mais que morar nela. Participar do festival foi uma oportunidade de integração e de exercício da coletividade.

Radicado no Japão desde 2004, IVAN NOZAKI é um apaixonado pela Terra do Sol Nascente. Fascinado pela cultura e tradição de seus antepassados, ele busca participar de festivais todos os anos, sempre com a câmera na mão.

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