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AiiRO Café, um dos bares mais badalados entre os estrangeiros

SHINJUKU NICHOME
PARA SER LIVRE

Bares e baladas em edifícios comerciais formam o arco-íris do reduto LGBTQA+ mais animado de Tóquio

texto: Thiago Fernando Silva
fotos: Roberto Maxwell
ilustrações: Renata Cabrera

Depois de deixar os sapatos em uma caixinha, por irrisórios 10 ienes (cerca de R$ 0,50), segui para a recepção, onde são entregues uma chave de armário e um kit com roupão e duas toalhas. À direita, uma área de fumantes e um balcão em que são servidas comidinhas e lámen. No espaço dos armários há espelhos com cosméticos, escova e secador, se for preciso dar uma última ajeitada no visual. Perto dali, uma sala com espreguiçadeiras confortáveis e aparelhos de TV exibindo programação aleatória convida a relaxar – se essa for a ideia. A maioria dos frequentadores usa o roupão, mas às vezes um ou outro exibido circula nu.

 

 Nos andares seguintes, há saunas e grandes banheiras de hidromassagem – como nos onsen, as casas de águas termais do Japão, é preciso tomar banho antes de entrar. Além dos chuveiros com essa finalidade, também há alguns com pouca iluminação ou luz vermelha e buracos circulares na parede para quem, digamos, busca o agrado de um desconhecido. Mais acima, máquinas de bronzeamento artificial dividem espaço com salas de apetrechos para BDSM (as práticas sexuais consensuais baseadas no prazer da dor, como o sadomasoquismo) e quartos sem divisórias, com pegação liberada. No quarto e último andar, os mais reservados encontram dormitórios privados, pagos à parte.

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Lojas de produtos eróticos também fazem parte da paisagem do bairro.

Estamos na 24 Kaikan, uma sauna em Shinjuku Nichome, um dos principais redutos gays de Tóquio. O nome é uma referência à localização, no segundo (“ni”, dois em japonês) quarteirão (“chome”) do distrito de de Shinjuku. Durante o dia, o movimento por lá é de gente que parece estar de passagem, apressada. A área tem poucos atrativos, a não ser alguns restaurantes, lojinhas e konbini (as úteis e onipresentes lojas de conveniência japonesas). Mas, por volta das oito da noite, outro tipo de energia se propaga.

 

Desde a primeira vez que pisei no bairro, em 2015, a sensação foi de liberdade de ser quem eu quisesse. Parece utópico mas, sim, isso existe.

Já vi muitas vezes a região se transformar com a chegada da noite, quando a calmaria dá lugar a um buchicho colorido regado a drinques e risadas.

O esquenta começa na rua, com as bandeiras do orgulho LGBTQIA+ devidamente representadas: drag queens, transsexuais, lésbicas, gays, bissexuais e crossdressers ficam à vontade em Nichome.

 

Apesar do quarteirão ser relativamente grande, trata-se de Tóquio. Ao contrário dos redutos gays fervidos de São Paulo e Nova York, por exemplo, que enfileiram bares e baladas enormes, em Nichome a noitada é vertical. São mais de 100 bares de diferentes temáticas registrados, normalmente em salas comerciais de prédios. No nível da rua, a existência deles é anunciada por letreiros nas cores da bandeira LGBTQIA+. Basta escolher, pegar o elevador e descobrir o universo que se esconde por trás da fachada sisuda dos edifícios corporativos.

Dentro do fervo

A maioria dos bares é pequena e acomoda entre 10 e 15 pessoas. O clima intimista permite sentar no balcão e engatar uma conversa com a mama-san, apelido carinhoso do proprietário ou proprietária, que costuma fazer de tudo para deixar os clientes confortáveis (o copo cheio está entre os mimos garantidos). O tamanho dos estabelecimentos também facilita a proximidade com outros clientes. Conhecer pessoas e fazer novas amizades, além de descolar um futuro marido – nem que seja por uma noite –, é quase certo para quem se entrega aos andares de Nichome.

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Parede de um dos bares de Nichome: a graça é pular de um para o outro ao longo da noite.

Em geral, os bares cobram entrada, com direito a um drinque (entre 700 e 1000 ienes) e as bebidas custam em torno de 600 ienes. O valor inclui o potinho de tsumami (tira-gosto), como amendoim e edamame, que é reposto a noite toda. É importante levar dinheiro em espécie, pois muitos lugares não aceitam cartão.

Alguns endereços também têm karaokê, normalmente sem custo. Em alguns, o repertório pode incluir até hits da diva Pabllo Vittar. Aliás, estrangeiros são bem-vindos não apenas no som ambiente: a presença de não-japoneses é recorrente, entre clientes e proprietários, já que alguns estabelecimentos pertencem a chineses, coreanos e vietnamitas, por exemplo. Embora muitos atendentes não falem inglês, como é comum no resto do Japão, é fácil encontrar cardápios traduzidos para o idioma. Mas, atenção: a graça de Nichome não é eleger um bar e virar a noite no balcão. A melhor forma de aproveitar é pular de um a outro, como se a noite fosse eterna e a vida, uma só.

Além do vale

Noitadas de Nichome à parte, a comunidade LGBTQIA+ no Japão ainda enfrenta questões de identidade de gênero e orientação sexual, principalmente as relacionadas à aceitação social. O país é aberto às excentricidades, como a moda cosplay, mas muitos cidadãos não se sentem confortáveis para sair do armário no ambiente de trabalho, na família e mesmo entre amigos. Ainda que de forma sutil, a indiferença e outras manifestações de discriminação são perceptíveis. O casamento homoafetivo não é legalizado nacionalmente, embora alguns distritos e municípios reconheçam a união civil entre pessoas do mesmo sexo. Em recente decisão, um tribunal da cidade de Sapporo, no norte japonês, decidiu que a negação do direito ao casamento de pessoas homoafetivas é ilegal, abrindo uma jurisprudência sobre a matéria. Com algumas limitações, a situação das pessoas transgênero também é reconhecida, com a alteração de gênero em documentos sendo feita sem muitos transtornos do ponto de vista legal. A principal questão na alteração de gênero se refere a pessoas que tenham filhos.

 

Embora com o preconceito à espreita, a segurança que permeia o país se estende a pessoas LGBTQIA+ – diferentemente do Brasil, país que mais mata travestis e transsexuais no mundo, no Japão não se teme pela integridade física ou moral apenas por ser gay. Sempre fui tratado com respeito, inclusive no trabalho. Sinto que posso sair à noite e andar na rua sem medo de sofrer algum ataque, com orgulho e liberdade. Quando perguntado se encontro dificuldades aqui pela minha homossexualidade, respondo que não sei se foi sorte, mas que nunca fui tão livre e me senti tão seguro. Nesse sentido, o Japão pode ser um paraíso no vale da comunidade LGBTQIA+, por onde nem sempre é fácil caminhar.

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(foto: Agência Photo AC)

ROTEIRO COLORIDO

Uma seleção de bares e baladas para todos os gostos e interesses em Shinjuku Nichome.

NEW SAZAE

Primeiro bar gay de Tóquio, funciona desde 1966. É o meu favorito, principalmente pelo público diverso e receptivo que se entrega aos hits gays das décadas de 1970 e 1980. A entrada, com direito a um drinque, custa 1000 ienes. A partir do segundo, saem por 700 ienes cada.

twitter.com/ (em japonês)

AIIRO CAFE

Um torii (o portal dos santuários xintoístas) nas cores do arco-íris dá as boas-vindas ao bar, uma boa pedida para o esquenta da noite. Como o interior é um pouco apertado, os clientes costumam ficar nas mesinhas altas da entrada, ideais para um drinque em pé e, quem sabe, uma troca de olhares promissora. Enquanto a turma socializa, um DJ arrasa com boa música pop, R&B, house e outros hits. Não cobra entrada.

24 KAIKAN

Uma das mais conhecidas saunas gays do Japão.

EAGLE TOKYO

O salão com balcão e espaço para circular é interessante, mas o movimento acontece mesmo do lado de fora, em um pátio com mesinhas com gente de todo lugar do mundo. A música ambiente bomba de brasileiros, com nomes como Anitta, Pabllo Vittar, Alok e Ludmilla. Não cobra entrada.

www.eagletokyo.com (em japonês e inglês)

EAGLE TOKYO BLUE

Pertence à mesma franquia da Eagle Tokyo, mas com proposta distinta. A balada subterrânea tem dois ambientes, um com música variada e outro mais dedicado a tribal house. Shows de go go boys e apresentações de drag queens são frequentes, e nesses dias é cobrada uma entrada. Vale gastar um tempo por aqui, já que a franquia é conhecida pela temática gay bear, com direito a venda de camisetas e uma série de artigos de decoração.

www.eagletokyo.com (em japonês e inglês)

ARTY FARTY

Maior que a Dragon, a Arty Farty abusa de remixes dos sucessos pop tocados no mundo todo. Na pista, um palco e dois mastros de pole dance são perfeitos para causar. O espaço é reduzido e a balada costuma lotar. Para entrar, basta consumir um drinque (500 a 1000 ienes).

DRAGON MEN

Minha balada preferida, onde toca o melhor do pop, dos hits chiclete do momento a clássicos do universo gay. Um pouco apertada, a pista é perfeita para se jogar depois do tour de bares. A entrada custa 1000 ienes (com um drinque incluído). De sexta a domingo, das 18h às 21h, a happy hour é open bar (1000 ienes).

www.dragonmen69.com (em japonês e inglês)

GOLD FINGER

Um dos famosos endereços voltados às manas lésbicas. A entrada só é permitida para homens se estiverem acompanhados por uma amiga.

THIAGO FERNANDO SILVA é coordenador de relações internacionais do governo japonês. Deslumbrado pela cultura e pelo idioma nipônicos desde os 5 anos, hoje realiza seu sonho vivendo no Japão.

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