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Bicicletas na calçada: paisagem marcante nos subúrbios de Tóquio

CRÔNICA
A MAIOR CIDADE DO INTERIOR DO MUNDO

Em Tóquio, pacatos bairros residenciais ajudam a marcar o compasso urbano e convidam a desacelerar

texto e fotos: Alexandra Nakid

Existe uma Tóquio que caminha lentamente, e na direção oposta daquela que a multidão que atravessa o mais movimentado cruzamento do mundo costuma escolher. Em bairros como Shibuya, o olhar percorre os passos rápidos dos engravatados e vai subindo, rumo aos gigantescos painéis de LED.

 

Mas basta dobrar a esquina para chegar, de trem, a outra dimensão. A maioria dos bairros residenciais, aqueles lugares em que se mora de verdade, são extremamente tranquilos, silenciosos e pacatos. São como um respiro revigorante, reequilibrando as energias da metrópole. Dentre os muitos contrastes da cultura japonesa, esse me marcou em especial: na cidade onde tudo acontece ao mesmo tempo também cabe aquela onde tudo acontece no seu tempo.

 

A casa em que morei anteriormente, no bairro de Ikebukuro, ficava numa vizinhança tão silenciosa que a musiquinha de um totem da loja da esquina chegava a incomodar. Caminhando pelas ruas, entre os silêncios que vinham das casas, era possível ouvir o sinal da escola local, o gralhar dos corvos e até as palmas que saem dos santuários xintoístas quando alguém faz uma prece. Pontualmente, às cinco da tarde, sai dos autofalantes a melodia que avisa que chegou a hora das crianças voltarem para casa. Será que Tóquio é a maior cidade de interior do mundo?

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Vasos de plantas são os jardins das minúsculas casas suburbanas

Depois da mudança para Shin Nakano, descobri que, por volta das seis da tarde, já não é mais possível encontrar pão. Certa vez, entrei numa papelaria em busca de caneta e caderno. Depois de contar, com o meu japonês capenga, que havia me mudado há pouco tempo, a atendente me apareceu com um pacote de pães e me deu de presente. Em outra ocasião, um senhor gentil me presenteou com doces típicos depois de puxar papo. Não é o tipo de relação que você espera encontrar morando numa megacidade.

 

Nesses lugares também encontrei personagens interessantes. Como o vendedor da sanduicheria cubana, um dos muitos cantinhos descolados de Shin Nakano, cuja vitrine estava cheia de guaraná Antarctica. Fã de futebol, o senhor de boné e camiseta da Seleção conta que acha por bem vender a marca que patrocina a sua paixão. Fui aprendendo que o melhor de Tóquio não se acha procurando mas, sim, no caminhar sem destino pelos bairros, no observar da arquitetura das casas, tentando imaginar a vida através daquela fachada cuja largura equivale à de uma pessoa deitada.

 

É no subúrbio que se descobre  as casas abandonadas, com mato saindo literalmente pelas janelas, e as dos acumuladores, soterradas de bugigangas. É onde se vê as velhinhas que arrastam seus carrinhos de feira paradas batendo papo animado nas esquinas. Ali que fica o sento, banho público comunitário, um resquício do passado que até hoje faz parte da vida dos mais idosos.

Como é prazeroso caminhar pelos bairros e descobrir suas sutilezas sem Google Maps.

Todo viajante, com tempo limitado ou não, deveria reservar um dia para se perder por bairros como Shin Nakano, onde eu morava, e abrir os olhos e os ouvidos para os barulhinhos da vida. Uma vida que caminha mais lenta, como se tivesse todo o tempo do mundo. 

Outras imagens suburbanas de Tóquio

A fotógrafa curitibana ALEXANDRA NAKID foi a Tóquio para encontrar o que nem sabia que buscava. Em um ano na capital japonesa, não aprendeu o idioma, mas trouxe a experiência da melhor temporada de sua vida na bagagem e uma japonesinha na barriga.

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