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Kawadoko: no vilarejo de Kibune, restaurantes sobre o leito do rio ajudam a refrescar

OFF-TÓQUIO
DE CAPITAL PARA CAPITAL

Kyoto foi a sede do governo central japonês por mais de mil anos, mas não perdeu para Tóquio no quesito calor. A seguir, como
e para onde os locais escapam das altas temperaturas

texto e fotos: Mirela Mazzola

Quando Kyoto foi escolhida para ser a residência do imperador e de seu séquito de cortesãos, no fim do século 8, levou-se em consideração a posição geográfica, menos suscetível a terremotos (dada a baixa atividade vulcânica da região), e o relevo, que protegeria a futura capital de invasões e até epidemias. Até então, Nara sediava o poder central e havia sido devastada por um surto de varíola que atingiu boa parte do Japão. 

 

Cercada por montanhas, Kyoto foi posicionada seguindo princípios de feng shui e segue um padrão urbanístico em forma de grade que reproduz o da cidade chinesa de Chang'an (a antiga capital da dinastia Tang, atual Xian). A área central é plana e cortada pelo Rio Kamogawa – no verão, diria que a melhor analogia a ser feita é a de uma panela fumegante. 

 

 

Como em boa parte do país, as temperaturas esbarram nos 35 graus e a umidade parece brotar nos poros, mas na antiga capital o fator abafamento agrava a já inebriante sensação térmica. Para escapar desse caldeirão, os locais dão seus pulos para áreas mais frescas no entorno, como Kibune e Takao, ou usufruem das margens do Kamogawa de um jeito que dá inveja a nós, brasileiros, desprovidos de um rio urbano limpo e bem-aproveitado para chamar de seu. 


Nos meses de verão, os restaurantes com fundo para o Kamogawa erguem palafitas onde colocam mesas para o jantar ao ar livre (normalmente é preciso reservar) – um desses endereços, a sorveteria Babbi, tem um terraço mais acessível e serve gelados no estilo italiano, mais doces que o padrão japonês.

Verão no Kamogawa: foooting e puxadinhos nos restaurantes

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Ouca: sorvetes saborosos, com um toque japonês

Perto dali (mas sem vista para o rio), a Japanese Ice Ouca serve ótimos sorvetes, kakigori e smoothies com sabores mais locais, como matchá (o chá verde em pó), genmaicha (chá verde com adição de arroz torrado) e sakura com doce de feijão anko – pegar um potinho para comer sentado à beira-rio, entre as pontes de Sanjo e Shijo, é um agradável programa de verão. Mas, com mais tempo, vale sair dos limites da cidade para aplacar o calor. A seguir, o caminho das pedras de duas escapadas refrescantes no entorno de Kyoto.

Além da floresta de bambu

A oeste de Kyoto, Arashiyama e sua cênica floresta de bambu estão entre os locais mais procurados por quem visita a cidade – em tempos pandêmicos, tem sido possível tirar a cobiçada foto com o corredor verde praticamente vazio. As temperaturas por lá são sempre mais amenas, o que já faria de Arashiyama uma escapada aprazível no verão. 

 

Mas a partir dali existe um segredo bem-guardado dos turistas com poucos dias, o vilarejo montanhoso de Takao. Chega-se por uma trilha de quatro quilômetros que margeia o leito do rio Kiyotaki, pontuada por templos e pequenas praias onde dá para molhar os pés. A caminhada começa na estação Saga-Arashiyama – dali são cerca de meia hora andando até a Saga-Toriimoto, uma das vias preservadas mais cênicas de Kyoto, com suas residências tradicionais (algumas no estilo minka, com telhado de palha). No fim da rua, o Otagi Nenbutsu-ji encanta pelas cerca de 1.200 estátuas de rakan, figuras de pedra que representam os discípulos de Buda, com feições infantis e bochechudas. Cobertas por musgo, elas enfeitam a encosta onde está o templo que remonta ao século 8 (a construção atual é de 1922). 

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Fofinhos: rakan, discípulos de Buda no Otagi Nenbutsu-ji

Dali, segue-se por um túnel – gelado, por sinal – em direção ao Kiyotaki (há boa sinalização). A caminhada intercala trechos mais próximos ao rio, ruelas asfaltadas e caminhos ladeados por árvores altíssimas, além do acesso à cascata Kiyotaki. 

 

Em cerca de duas horas, chega-se à rua principal, com alguns restaurantes, e ao acesso por uma longa escada à atração mais famosa da área: o Jingo-ji. Fundado em 781, trata-se um importante templo do Budismo Shingon. Kobo Daishi, o fundador dessa escola e importante figura da história japonesa, teria transmitido ensinamentos ali. No hall principal, a estátua da divindade Yakushi Nyorai é considerada Tesouro Nacional. 

 

Ao continuar subindo, ainda na área do templo, igualmente precioso é o mirante para um vale profundo, por onde o Kiyotaki serpenteia estreito lá embaixo. Quem chega ali quase sempre para na lojinha e compra pequenos discos de argila, que devem ser lançados no penhasco para se livrar do mal. 

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Imensidão: o vale do Kiyotaki visto a partir do Jingo-ji

Disco arremessado e de volta à entrada do templo, montanha abaixo, anda-se mais um pouco para acessar a rodovia que leva a Takao a partir do norte de Kyoto – dali, dá para voltar de ônibus (a via leva ao centro passando pelos famosos Riyoan-ji e Ninna-ji) ou seguir por cerca de um quilômetro pelo asfalto até o Kosan-ji. Um dos 17 Patrimônios Mundiais da Humanidade pela Unesco na antiga capital, o pequeno templo não chamaria a atenção se não fossem duas coisas. Ali está nada menos que a primeira plantação de chá verde do Japão (no século 12, depois de visitar a China, o monge zen Eisai trouxe algumas sementes de Camellia sinensis para o abade Myoe, que as plantou no templo). O segundo atrativo é um pergaminho do século 12 considerado o "primeiro mangá do Japão", com um desenho que retrata animais satirizando a corte do Período Heian (794 a 1185). O ônibus da JR que leva de volta a Kyoto para em frente ao templo (520 ienes o trecho).

Nas águas de Kibune

Mais conhecida dos turistas que Takao, Kibune é um vilarejo ao norte de Kyoto que compõe, com a vizinha Kurama, um dos melhores passeios no entorno da cidade (fica a cerca de 40 minutos de trem). Enquanto Kurama ostenta o Kurama-dera, templo no alto da montanha de frente para uma floresta de cedros, e até um onsen (aquecido artificialmente, já que a região de Kyoto tem baixa atividade vulcânica), Kibune encanta pelo rio de mesmo nome, ladeado por alguns ryokan (as pousadas tradicionais japonesas), restaurantes e um santuário. A proximidade com o rio e a montanha faz com que as temperaturas nos vales de Kurama e Kibune sejam consideravelmente mais frescas que no centro da cidade. 

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No leito do rio: o Hirobun ​é um dos ryokan que montam estruturas sobre a água no verão

No verão, as pequenas quedas formadas ao longo do rio Kibune sustentam deques cobertos, montados por ryokan e restaurantes da área – os chamados kawadoko. Sobre as águas, com uma brisa sem igual nas cercanias de Kyoto, são servidas refeições kaiseki (desde 3.000 ienes) e o nagashi somen, massa que chega por meio de canaletas de bambu e imersa em água do rio. Por um valor fixo (cerca de 1.200 ienes), o cliente senta em frente a elas e "pesca" algumas rodadas da massa geladinha com hashi, antes de mergulhá-la em um gostoso caldo à base de shoyu, acompanhado de wasabi. Um desses endereços, o Hirobun tem duas plataformas, onde serve tanto nagashi somen quanto versões de kaiseki ao som de uma caudalosa queda d'água.

Nagashi somen: pescando macarrão

A refeição, tão refrescante quanto peculiar, pode ser seguida de uma visita ao Kifune Jinja, cuja imagem mais conhecida é a escadaria escoltada por lanternas. O santuário é dedicado à divindade da água, que teria navegado desde Osaka até as montanhas ao norte de Kyoto, neste local. O Kifune se estende por quase um quilômetro, do hall onde termina a escadaria de lanternas ao santuário interno e ponto exato onde o barco divino teria aportado – quem sabe, atraído pela beleza dos cedros e pelo ar fresco que sopra do rio.

Serviço

BABBI GELATERIA

Kyoto-fu Kyoto-shi Shimogyo-ku Saitocho 134

JAPANESE ICE OUCA

Kyoto-fu Kyoto-shi Shimogyo-ku Tominagacho 346

www.ice-ouca.com (em japonês)

RUA PRESERVADA SAGA-TORIIMOTO

Kyoto-fu Kyoto-shi Ukyo-ku Saga-toriimoto

OTAGI NENBUTSU-JI

Kyoto-fu Kyoto-shi Ukyo-ku Saga-toriimoto Fukatanicho 2-5

www.otagiji.com (em japonês e inglês)

JINGO-JI

Kyoto-fu Kyoto-shi Ukyo-ku Umegahata Takaocho 5

www.jingoji.or.jp (em japonês)

KOSAN-JI

Kyoto-fu Kyoto-shi Ukyo-ku Umegahata Takaocho 8

www.kosanji.com (em japonês)

KURAMA-DERA

Kyoto-fu Kyoto-shi Sakyo-ku Kurama Honmachi 271

www.kuramadera.or.jp (em japonês)

HIROBUN

Kyoto-fu Kyoto-shi Sakyo-ku Kurama Kibunecho 87

hirobun.co.jp (em japonês)

KIFUNE JINJA

Kyoto-fu Kyoto-shi Sakyo-ku Kurama Kibunecho 180

kifunejinja.jp (em japonês e inglês)

MIRELA MAZZOLA é jornalista e se apaixonou pelo Japão durante uma temporada de dois anos em Kyoto. Hoje vive no Brasil, onde atua como freelancer.

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