Nova exposição em Ibaraki traz uma experiência de imersão das galerias para a natureza
Caminhar por uma floresta à noite não parece ser uma das mais experiências mais convidativas a se fazer numa viagem. Porém, quando o convite vem do teamLab, coletivo japonês de arte digital recordista em audiência, a coisa pode mudar de figura. Foi o que aconteceu no último dia 7, quando o grupo e a Província de Ibaraki organizaram uma excursão para jornalistas e influenciadores digitais conhecerem a nova exposição teamLab: Hidden Traces of Rice Terraces (“Pistas Escondidas de Terraços de Arroz”, em tradução livre).
O local escolhido para o novo empreendimento do grupo foi a belíssima costa de Izura, localizada a cerca de três horas de ônibus de Tóquio. A localidade é conhecida pelos penhascos eternamente castigados — e pacientemente modelados — pelas ondas do Oceano Pacífico na cidade de Kita-ibaraki, quase na divisa entre as províncias de Ibaraki e Fukushima.
A estância de praias e águas termais acolheu e inspirou uma gama de figuras importantes no cenário da arte durante o início do século passado, dentre elas Okakura Kakuzō, autor d'O Livro do Chá, influente análise publicada em inglês em 1906 sobre a cultura e a Cerimônia do Chá no Japão. A viagem não poderia vir em momento melhor, já que a obra anda despertando renovado interesse em várias partes do mundo.
Uma Só Ásia
Começamos a excursão pela antiga residência de Okakura, localizada no alto de um penhasco. O espaço foi projetado pelo autor, pintor e crítico de arte para ser utilizado nos momentos em que ele não estava atuando como curador de artes sino-japonesas no Museu de Artes Plásticas de Boston, nos Estados Unidos.
A construção principal é um típico exemplar de residências interioranas do final do Período Meiji, com portas de correr fu’suma e uma extensa varanda do tipo engawa que oferece bela vista para o jardim do terreno. Ao lado da casa, um enorme monumento em pedra tem escrito “Uma Só Ásia”, uma das ideias principais do dono da casa, pioneiro em desafiar o discurso hegemônico de americanos e europeus sobre os povos do Extremo Oriente. Anos depois, as ambições imperialistas do Japão abortariam este nascente pan-asianismo, resultando em conflitos que se estendem até os dias de hoje e impedem um diálogo conjunto e um intercâmbio ainda maior entre os países e culturas da região.
Com o acesso à casa limitado ao doma — a área de piso de terra que inclui parte da cozinha —, o grande destaque da visita é o Rokkakudo, uma pequena construção hexagonal na beira de um precipício cujo acesso oferece uma bela vista da recortada costa de Izura. Relatos dizem que Okakura Kakuzō costumava perder a noção do tempo dentro da pequena construção, ouvindo o som das ondas castigando as rochas. O espaço de 9 metros quadrados é um misto de salão budista e sala de chá. Severamente danificado pelo tsunami de 2011, o Rokkakudo foi reconstruído no ano seguinte, seguindo os mesmos padrões do edifício original.
A cerca de 10 minutos de caminhada do Rokkakudo, fica um museu dedicado à vida e à obra de Okakura, o Museu de Arte e Memorial Tenshin. No prédio projetado por Hiroshi Naito, estão expostos relíquias e materiais relacionados às atividades do autor, bem como uma reprodução em escala menor da sua sala de chá privativa. Além disso, o espaço conta com exposições de arte temporárias, um pequeno restaurante e uma lojinha com itens para quem tem interesse em arte e cerimônia do chá.
Empreendimento imobiliário
Depois das primeiras visitas, seguimos para o espaço ocupado pelo team Lab, numa área florestada próxima. O local é uma especie de clareira entre a colina e uma estrada pouco movimentada. Aqui ficam as hospedagens voltadas para quem deseja visitar a nova exposição, uma associação entre arte e empreendimento imobiliário. No ambiente ladeado por árvores bem verdes, o que chama a atenção é a onipresente ambiência musical new age pela qual as obras do teamLab são conhecidas.
Os cottage, vendidos como elegantes chalés, têm dois andares e espaço para até 6 hóspedes. A decoração é simplória para um produto que se vende como elegante. Os destaques são a churrasqueira na varanda e o banho privado, com uma pequena banheira quase a céu aberto. Ah, também tem uma obra de arte no andar de cima, com piso de espelhos, dando uma sensação de repetição infinita. A instalação deve ganhar algum sentido mais estético quando a noite cai e a floresta atrás do chalé é iluminada com diferentes cores e vaza para dentro da casa pelo teto de vidro. À luz do dia, eu só consigo pensar no como a luz exterior deve invadir o quarto pela manhã, obrigando o hóspede a acordar cedo no que deveria ser um dia de descanso. A sorte é que tem camas também no primeiro piso.
(Neste ponto, eu começo a me perguntar se em algum momento eu vou me habituar à ambiência sonora que nunca para de tocar, como se estivéssemos num parque de diversões.)
A outra modalidade de acomodação é classificada como glamping — acampamento com glamour — algo que tem virado modinha entre os hipsters japoneses (e de outros cantos do mundo). As tendas de lona reforçada também têm espaço para até 6 hóspedes, com uma pequena varanda de madeira coberta e uma churrasqueira. O interior vai além do rústico: me pareceu meio bagunçado, mas de certo modo confortável, mesmo que nada glamouroso.
Em ambos os casos, a opção de hospedagem com refeições conta com um jantar até bem interessante para ser feito pelos hóspedes na grelha e/ou um café da manhã com o samgyetang, uma sopa de frango coreana.
'Correndo' na floresta
A noite cai e, depois das formalidades pertinentes a uma inauguração (como discurso do prefeito etc), tivemos finalmente acesso ao teamLab: Hidden Traces of Rice Terraces. Na narrativa do coletivo de arte, a colina que estamos prestes a subir é coberta por uma floresta anteriormente difícil de penetrar. Com uma tropa de jornalistas, é difícil embarcar na história. Passo obra por obra sem conseguir sentir as intenções de cada instalação e ir muito além daquilo que a visão consegue me proporcionar.
A primeira impressão que fica é a da excelente qualidade da tecnologia de luzes e sons utilizada. A sensação é de que as obras estão realmente integradas ao espaço, numa experiência de imersão completa. Ambientes vão criados ao longo da trilha e remetem a um mundo de fantasia. É quase como se estivéssemos dentro de um filme, num universo à parte.
A caminhada pela mata é relativamente fácil, embora não seja acessível para pessoas com dificuldades de locomoção. Algumas subidas e escadarias podem ser um pouco mais desafiadoras para pessoas sedentárias, mas como a ideia não é fazer a rota com pressa, vale a pena fazer paradinhas para descansar e apreciar as obras. Não foi o nosso caso, mas por um bom motivo. A guia da trilha queria nos deixar livres o quanto antes para que pudéssemos explorar as obras sozinhos.
Águas relaxantes
O final da rota é um pequeno vale, onde fica uma especie de alagado que faz parte das ruínas das antigas plantações de arroz citadas no título da exposição. O espaço foi salpicado de estruturas luminosas de diversas cores, que lembram cogumelos mágicos no universo de um game dos anos 90. Ali, é possível “caminhar sobre as águas” em uma estrutura quase invisível que se ilumina a cada passo do visitante. A rota de caminhada no brejo é feita de um piso nada confortável. Por isso, traga um chinelinho para aproveitar a experiência.
O presente no final da rota é um banho de águas termais — onsen, em japonês. A estrutura simples é formada por vestiários e banhos internos masculino e feminino, com chuveirinhos baixos para se banhar sentado. Na parte interna fica, ainda, um ofurô não muito grande no qual se entra sem roupa, conforme a etiqueta local.
Do lado de fora fica o banho a céu aberto, este de uso misto, e com vista para uma instalação. Aqui, o visitante deve usar roupas de banho. A água é quente (quase 61℃), rica em sódio e cálcio. Ela tem um leve aroma, além do gosto salgado que descobri por acidente já que a água do banho não deve ser bebida. É uma experiência estimulante para os cinco sentidos que, infelizmente, só está disponível para os usuários das hospedagens.
A volta
Imerso nas águas termais, fico imaginando como seria a caminhada pela floresta sem a presença de tantas pessoas. Experiências em demonstrações para jornalistas não costumam ser muito orgânicas. Quase sempre somos muitos ocupando os espaços ao mesmo tempo, o que quase sempre é muito diferente da vivência cotidiana. Por isso, decido me vestir e refazer a rota, esperando não ter companhia.
Retomo o caminho colina acima, passando pelo brejo. Como esperado, eu estava só. Entro na floresta e a primeira obra que encontro se chama "Traces of Continuous Life" (algo como "traços de vida contínua"), uma das que mais chamou a atenção no trajeto de chegada. Ela é formada por rastros de objetos luminosos vermelhos e azuis que circulam em alta velocidade sobre a sua cabeça, na floresta escura.
Sem a presença de outras pessoas, o ambiente se torna, na minha cabeça, imediatamente ameaçador. Meus instintos de proteção entram em estado de alerta. Paralizo e, por uns instantes, começo a pensar mesmo se é boa ideia seguir floresta a dentro sozinho naquela escuridão.
De repente, o meu cérebro começa a dar atenção aos ouvidos e o que eu (não) vejo na rota passa para o segundo plano. A trilha sonora, aquela cuja percepção parecia inevitável, invade a minha mente. Como efeito, começo a me sentir num lugar seguro. Os rastros luminosos se tornam um momento lúdico, como um encontro com criaturas mágicas numa animação dos Estúdios Ghibli. Num dado momento, me lembro da minha experiência na Casa da Luz do James Turrell em Echigo Tsumari e compreendo a função da trilha sonora intermitente: manter a magia no ar e fazer o visitante imergir na experiência.
Dali em diante, o medo deu lugar a um desejo de exploração e às sensações de encantamento propostas pelos jogos de luz, cores e escuridão; entre os sons da arte e os da natureza. Assim, sigo o caminho apreciando sem medo — e às vezes boquiaberto — as diversas instalações.
Assim, a nova exposição permanente do teamLab cumpre o seu papel. Ela impressiona, diverte e oferece os tão esperados momentos instabae (instagramáveis, em japonês) pelos quais as obras do coletivo se tornaram conhecidas. Portanto, não espere profundas reflexões ou uma arte mais desafiadora. Aqui, à despeito de estarmos soltos numa floresta escura à noite, o único perigo que corremos é o de deixar de apreciar as obras na sua totalidade grudados no celular em busca de fragmentos de recordação para compartilhar com os seguidores nas redes sociais.
SERVIÇO
TEAMLAB: HIDDEN TRACES OF RICE TERRACES
exposição permanente
Ibaraki-ken Kita-ibaraki-shi Otsucho 2132 [mapa]
¥2200 (adultos, com descontos para pessoas com deficiência e crianças)
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