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Foto do escritorRoberto Maxwell

Encanto e terror na Casa da Luz, em Niigata

Na única obra habitável do artista James Turrell, a luz pode ser sublime e o som (ou silêncio), angustiante



O táxi sobe a colina na tarde chuvosa, cruzando de forma elegante a estrada sinuosa e vazia. No descampado, as obras de arte a céu aberto indicam que estamos nos aproximando do destino final. A Casa da Luz é uma obra de James Turrell, um dos mais acalmados nomes da arte contemporânea. Localizado na cidade de Tokamachi, o espaço é uma das principais atrações do Echigo Tsumari Art Field, um projeto de mais de três décadas empenhado em revitalizar, através da arte, uma área rural da província de Niigata.

Logo na chegada, a residência impressiona. Aberta para visitas até o início da tarde, a casa é uma atração movimentada. Porém, das 16 às 10 horas do dia seguinte, o espaço inspirado nas antigas casas de madeira locais — e no livro Em Louvor das Sombras de Junichiro Tanizaki — passa a funcionar como uma hospedagem, sendo permitida somente a presença de quem vai ali pernoitar.

Chego de táxi no início do horário determinado e uma senhora me espera na parte de cima da escadaria. Ela me adianta que eu vou dividir a casa com uma outra pessoa, não-japonesa como eu. Não demora muito para que a minha companheira chegue. Aline tem em torno de 35 anos e é francesa. Simpática e falante, ela logo assume o protagonismo do encontro. A senhora da equipe parte, então, para nos apresentar a casa. São, oficialmente, dois quartos de tatami e cada um pode acomodar até um casal. Há uma cozinha, uma sala de refeições, também com chão revestido de tatami, e uma casa de banhos.

Dentro da casa

A escadaria é a entrada principal do espaço e nos leva ao segundo andar. O motivo da porta ser elevada tem a ver com o fato de que a localidade fica coberta de neve durante o inverno. Entramos na casa e o pequeno corredor de piso de madeira nos leva ao engawa, uma espécie de varanda coberta que é um espaço intermediário entre o dentro e o fora nas casas japonesas.


Seguimos à esquerda para o quarto chamado Outside-in, o principal cômodo de casa. É aqui que ocorre o ponto alto da experiência proposta por Turrell. Quando o tempo está bom, o visitante abre o teto retrátil poucos minutos antes do pôr do sol e admira as mudanças da cor do céu até o anoitecer, deitado no piso de tatami. Este também é um dos aposentos que os hóspedes podem utilizar para o pernoite.


Luzes no Outside In (foto: Roberto Maxwell)

Em seguida, vamos para a área oposta, onde fica o segundo aposento, esse um pouco menor, vizinho da cozinha, esta elegante e muito bem equipada, com refrigerador, fogão, forno e utensílios diversos.


Depois, descemos a escada interna até o primeiro piso, onde fica o terceiro quarto, este excepcional, com varandinha e jardim de pedra. Além disso, aqui ficam os sanitários — dois — e o espaçoso ofurô, um banho de imersão, com água aquecida.

Quem fica onde?

Terminadas as apresentações, a nossa anfitriã pede que decidamos entre nós onde vamos ficar. Eu ainda não sabia, mas esta seria a uma decisão da qual eu iria me arrepender. Porém, na hora, penso que a Aline não terá muitas outras chances de visitar a casa e deixo que ela escolha o quarto. Ela decide, então, ficar com o espaço do primeiro andar, amplo, confortável e com o jardim de pedra ainda mais belo por causa da chuva. Eu opto por dormir na sala de refeições, já que o Outside-in precisa estar disponível para todos. Assim, cada um de nós vai para o seu quarto para se preparar para o espetáculo.


Aproveito o tempo sozinho para curtir o som da chuva no engawa. Abro um saquê especial, que estava guardado há semanas para a ocasião. Uso as taças disponíveis na cozinha e relaxo. Às 6 e meia da tarde, ouço a Aline subir as escadas e vou para o Outside-in encontrá-la. Naquele ponto, nós dois já sabíamos que abrir o teto não seria possível, já que a chuva não estava forte, mas não dava sinais de que iria parar.


Momento no engawa, ao som da chuva (foto: Roberto Maxwell)

Às seis e quarenta, já com uma segunda garrafa de saquê aberta e um papo animado, a luz do quarto começa a mudar. O que vemos a seguir não era um plano B mas, sim, parte da instalação em que estamos imersos.

O artista da luz

Desde os anos 1960 que James Turrell investiga a luz, que se tornou o principal material de suas obras de arte espalhadas pelo mundo. Na virada do milênio, o norte-americano recebeu um convite do curador Fram Kitagawa, então responsável por colocar de pé um ousado projeto nas montanhas da província de Niigata.


“Ele me pediu para fazer uma ‘casa para meditação’ para a região de Echigo-Tsumari e me deu um livro escrito pelo Junichiro Tanizaki, Em Louvor da Sombra, conta Turrell no material de apresentação da Casa da Luz. Ele segue contando que sua intenção era “dar vida ao mundo de sombras” que, segundo Tanizaki, “estaríamos perdendo”.


Coerente com suas pesquisas de décadas, Turrell explorou na Casa da Luz as ideias de ‘luz de dentro’ e ‘luz de fora’. Assim, durante o crepúsculo, um jogo de luz e cores internos dialoga com as alterações do céu visto através do teto retrátil. Quando chove, o que foi o nosso caso, o espetáculo interno ocorre mesmo com o telhado fechado. O jogo de luzes, apesar de impressionante, não me preparou para o que viria depois.


Corredor de entrada da Casa da Luz (foto: Roberto Maxwell)


O (absurdo) som do silêncio

Depois do espetáculo, saímos para ver a casa por fora. A iluminação externa, com tons avermelhados, fica ainda mais exuberante por causa da chuva. Porém, eu mal me aguento de ansiedade para usar a casa de banhos. Totalmente sem luz artificial, o espaço tem as bordas do ofurô e a área de chuveiro (para se banhar sentado, no estilo japonês) marcadas com tubos de fibra ótica. O reflexo dessas luzes na água e o som da chuva vindo da janela que dá para o jardim de pedras e para a floresta, associados com a água em temperatura confortável e acalentadora, foram o convite para uma meditação sem rituais. No escuro, esta talvez tenha sido a melhor experiência de banhos que eu já tive na vida.


Retorno para o quarto que eu escolhi e foi aqui que o idílio deu lugar ao inferno. O cômodo fica ao lado da cozinha e eu nunca imaginei que um refrigerador pudesse causar tanto incômodo. O absurdo silêncio na casa transformava cada recarga do aparelho num barulho assustador. Foi o gatilho para uma série de alucinações auditivas que só se aquietam quando eu decido desligar o refrigerador.


A manhã seguinte chegou rápido e, por um instante, eu estava grato por ter chegado a hora de deixar a casa. Desci para ofurô novamente e, de pronto, a minha vontade de ir embora arrefeceu. Com a luz do sol, mesmo que o dia ainda tivesse chuvoso, a Casa de Banhos ganhava uma nova vida. A janela de vidro, que ocupa toda a parede, permite uma sensação de imersão na natureza. Os sons familiares dos pássaros e do entorno também me trazem de volta a um universo reconhecível — e seguro. Minha vontade é congelar aquele momento para sempre, como a única lembrança da experiência na Casa da Luz que se tornou, de forma involuntária, um inferno dos sons.

SERVIÇO

CASA DA LUZ

espaço de arte

Niigata-ken Tokamachi-shi Ueno 2891 [mapa]

visitação: de 1° de abril a 31 de outubro do meio-dia às 3 da tarde

pernoite: reservas pelo site


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