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Um fim de semana em… Buenos Aires

Nosso editor dá suas dicas de um fim de semana perfeito nesta que é uma das capitais culturais da América do Sul


Casa Rosada, um dos marcos da capital argentina (foto: Edgardo Isbarra/Unsplash)
Casa Rosada, um dos marcos da capital argentina (foto: Edgardo Isbarra/Unsplash)

Férias! E nada melhor do que ir para um lugar diametralmente oposto ao que a gente circula no dia-a-dia. Como imigrante no Japão, voltar ao Brasil é sempre uma das primeiras opções, mas estar no Rio é lidar com a família, amigos e fantasmas do passado — e isso dificilmente combina com descanso. São Paulo, apesar de tudo que tem de bom, sempre me chama para o trabalho. Foi então que decidi por Buenos Aires, uma cidade que foi um rito de passagem quando eu a visitei há quase 25 anos. Regressar foi como um reencontro com uma grande paixão de férias, aquelas que ficam guardadas no campo do afeto.


Os anos fizeram bem a mim e à capital argentina. Hoje, mais maduro como homem e como viajante, consegui entender melhor as muitas nuances da cidade que, por sua vez, me pareceu mais limpa, organizada, com uma maior sensação de segurança nas zonas vivenciadas por turistas. Foram seis noites na cidade, cujo melhor foi condensado neste formato de fim de semana. ¡Que lo desfrutes!


Sexta-feira


14:00: Arquitetura no cemitério 

Buenos Aires é famosa pelos seus prédios neoclássicos, fruto da riqueza que o país desfrutou no final do século 19. O estilo não se limita às zonas comerciais e residenciais mas, também, aos cemitérios da cidade. O mais conhecido deles é o da Recoleta, onde estão os túmulos de diversas personalidades do país, inclusive o da ex-primeira-dama Evita Perón. Porém, quem quer fugir do óbvio pode visitar o Cemitério da Chacarita, na zona oeste da cidade. 


Inaugurado em 1886, o espaço de 95 hectares é considerado o maior sepulcrário da Argentina. Ele foi construído para receber as milhares de vítimas de uma epidemia de febre amarela. A fachada é majestosa, com colunas dóricas amarelas, com esculturas em relevo com representações cristãs.  Aos típicos mausoléus neoclássicos, a Chacarita tem uma adição bem interessante: um pavilhão subterrâneo de influência modernista projetado por Ítala Fulvia Villa, uma das primeiras mulheres a trabalhar como arquitetas e urbanista no país. As linhas retas e os jogos de luz e sombra nos corredores compridos do pavilhão fazem um incrível contraste com aquilo que se pensa como paisagem para uma necrópole.


Linhas retas: o estilo brutalista do Cemitério da Chacarita (foto: Roberto Maxwell)
Linhas retas: o estilo brutalista do Cemitério da Chacarita (foto: Roberto Maxwell)
15:30 Café fotográfico 

A poucas quadras do cemitério fica o Palácio, um dos bares mais encantadores de Buenos Aires. Aqui a carta, embora recheada, é o menos importante. É que dentro do bar fica o Museu Fotográfico Simik, com um acervo de mais de 4 mil imagens históricas e algumas centenas de câmeras de diversas épocas, incluindo equipamentos do século 19. O espaço foi fundado por Alejandro Simik, um bombeiro apaixonado por fotografia que era proprietário do bar, e conta também com um subsolo onde são realizados workshops e eventos musicais à noite.


18:00 Aprendendo vinhos

Foi nas últimas duas décadas que o vinho argentino começou a chamar a atenção mundial, em especial quando a Zuccardi Valle de Uco foi eleita pela primeira vez a melhor vinícola do mundo pelo World's Best Vineyard, em 2019. Depois de dar uma passada no Mercado de las Pulgas, parta para uma experiência incrível com vinhos a Ja! Lo de Joaquin Alberdi, em Palermo. Sem apelar para o óbvio, a bodega oferece uma degustação dirigida que pretende apresentar ao público estrangeiro a diversidade da produção local. Os rótulos são acompanhados por queijos nacionais. Longe de ser uma atividade técnica, tudo se desenvolve num tom intimista e informal, com direito a piadas infames do fundador da loja, considerado uma lenda na cena portenha do vinho. A loja também tem uma adega com centenas de rótulos que são uma oportunidade para quem pretende sair do óbvio na hora de incrementar a sua adega.


21:00 Cena preferida

Cenar é o verbo em espanhol para a nossa janta, hábito que os portenhos costumam praticar bem tarde, em especial nos fins de semana. O El Preferido de Palermo é um dos restaurantes que mais têm se destacado na esfuziante cena gastronômica da cidade. O espaço, que fica num casarão do século 19, tem uma história que se inicia nos anos 1950, quando surgiu como um bodegón, tipo de restaurante simples e de comida popular. Os tempos são outros e a casa hoje faz parte do grupo que administra o poderoso Don Julio, frequentemente lembrado nas listas dos melhores restaurantes do planeta. Com isso, os preços já não são mais tão em conta, mas a cozinha ganhou em excelência. A Milanesa de Bife de Chorizo é o carro-chefe da casa que oferece aquela gastronomia de forte influência italiana, mas que é muito a cara de Buenos Aires. Ah, a carta de vinhos é de cair o queixo!




00:00 Balada-bar

Os portenhos começam a noitada tarde. Isso não quer dizer que, neste horário, o CoChinChina vá estar às moscas. Com programação intensa, o badalado bar tem música boa (para dançar), gente bonita e ambiente elegante. Porém, o hype está mesmo dentro das taças. A coquetelaria da casa pilotada pela mixologista e bartender Inés de los Santos é de respeito, tanto que o CoChinChina está na posição #22 do World's 50 Best Bars 2024. A carta tem forte influência asiática — daí o nome — com coqueteis que buscam uma fusão de ingredientes clássicos com seus pares vindo de países como o Japão. Um exemplo é o Es Mui Japo, que tem o gin Tanqueray como base para uma receita com doburoku (uma espécie de pré-saquê) e cordial de mirin (saquê licoroso, usado em gastronomia), finalizado com uma tuile de wasabi.


03:00 Larica total

Se as comidinhas do CoChinChina não derem conta da larica da madrugada, a dica é estender para uma instituição portenha: o Lo de Charly, uma parillaria que fica na Villa Urquiza. A casa funciona 24 horas servindo carnes de todos os tipos assadas no carvão. Por isso, ela faz a festa dos notívagos em geral, em especial dos inimigos do fim que não querem voltar para casa de barriga vazia.


Sábado


10:00 Um naco de história

Buenos Aires é fascinante quando o assunto é arquitetura. A cidade é rica em prédios de diversas épocas e o ecletismo, como um mix de diversos estilos europeus, é muito presente. Neste caminho, um dos edifícios mais fascinantes da capital argentina é o Palácio Barolo. Inaugurado em 1923, o prédio foi o arranha-céu mais alto da América do Sul à época e foi concebido como uma homenagem ao poema épico A Divina Comédia do fiorentino Dante Alighieri: o andar térreo representa o Inferno, os escritórios simbolizam o Purgatório e o farol, no topo, corresponde ao Paraíso. Aliás, da parte mais alta do edifício é possível ter uma das vistas mais espetaculares de Buenos Aires. São inúmeros detalhes, com referências literárias e até místicas e, por isso, vale a pena cogitar fazer uma visita guiada pelo espaço. No prédio também fica uma das filiais do La Panera Rosa, um restaurante bastante conhecido pelo seu apetitoso brunch. Além das opções a la carte, como as indefectíveis medialunas, a casa oferece dois menus bem completos, cada um deles ideal para duas pessoas estarem bem preparadas para continuar o dia.


Vista interna do Palácio Barolo (foto: Paula de Francesco/Unsplash)
Vista interna do Palácio Barolo (foto: Paula de Francesco/Unsplash)

Do Barolo, siga em caminhada até a Plaza de Mayo, coração da vida pública argentina desde o período colonial e palco de manifestações que marcaram a história recente do país. O espaço ficou conhecido mundialmente pelas manifestações das mães em buscas de seus filhos desaparecidos durante da ditadura que envergonhou o país nas décadas de 1970 e 1980. Na borda da praça fica a Casa Rosada, sede da presidência e símbolo de poder. Sua fachada cor-de-rosa circulou o mundo em imagens icônicas como as dos discursos da ex-primeira-dama Evita Perón. O Palácio suspendeu as visitas guiadas de turismo, mas é possível ter um gostinho do local através da visita ao museu.


O entorno do palácio presidencial argentino também é um deleite para quem gosta de arte e história. A Catedral Metropolitana alia a imponência neoclássica à história local, com seu interior belíssimo e o mausoléu do general José de San Martín, herói da independência do país e de outras ex-colônias sul-americanas. Outros espaços importantes no entorno são o Museu Nacional do Cabildo de Buenos Aires e da Revolução de Maio e o Museu Histórico de la ARCA.


14:15 Almoço vegano na terra da carne?

Germán Martitegui é um dos chefs mais reconhecidos da Argentina. Com sua pose de doce malvado, ele conquistou o público local nas várias edições em que foi jurado do Masterchef Argentina e de suas variantes. Porém, é na cozinha que o chef mexe nas estruturas da gastronomia portenha. Depois de brilhar por anos com o Tegui, um restaurante essencialmente carnívoro, Martitegui decidiu "desafiar" um dos cânones locais: a carne. No seu MARTi, o menu é vegetariano. A casa funciona no esquema speak easy, sem nenhuma referência do local na porta e só uma campainha para contato. Portanto, reserve com antecedência para receber todas as instruções. Passada a porta, o visitante é supreendido com um espaço retangular em vidro, cercado de plantas, ocupando o que era o antigo pátio da casa. A cozinha é aberta e os comensais são atendidos em um balcão que a envolve. Três pratos principais, duas entradas, quatro sobremesas e o pão formam o menu do almoço que mostra que comida vegetariana vai muito além daquilo que muita gente imagina.


16:30 No diapasão dos livros

Era uma vez um teatro construído nos anos 1920 onde estrelas como Carlos Gardel se apresentavam para mais de mil pagantes. Os anos se passaram, os astros passaram a ser vistos não mais ao vivo, mas numa tela e hoje, após uma reforma realizada no ano 2000, o brilho do lugar mudou. No lugar da plateia, livros. Já o palco se tornou um café que recebe visitantes do mundo todo para apreciar o que o jornal inglês The Guardian classificou como a segunda mais bela livraria do planeta em 2008. Já a National Geographic a colocou no topo do pódio, sem vacilar. Estou falando da El Ateneo - Grand Splendid, a joia literária da coroa de uma cidade que se destaca nos rankings mundiais de livrarias por habitantes. Escolha um livro, sente-se no camarote e aproveite o prazer da leitura num dos lugares mais incríveis do planeta.


El Ateneo - Grand Splendid: de teatro à livraria (foto: Noralí Nayla/Unsplash)
El Ateneo - Grand Splendid: de teatro à livraria (foto: Noralí Nayla/Unsplash)
19:00 Fabricando arte

Um dos grandes acertos da revitalização da zona de Puerto Madero e entorno foi a criação da Usina del Arte. Fundado sobre o antigo espaço de produção de eletricidade da capital argentina, o espaço cultural recebe uma programação variada de arte que vai de workshops de desenho a concertos de grandes orquestras, passando por shows de tango em variados formatos. Tudo isso de graça ou por preços módicos, num espaço incrível projetado no final da primeira década do século 20.


21:00 Steak contemporâneo

Instalado no Four Seasons Hotel Buenos Aires, o Elena é um habitué em listas de melhores do mundo, com citações no Latin America's 50 Best (#44 em 2022), Guia Michelin e World's 101 Best Steak Restaurants (#56). O espaço, com seu pé direito alto, cúpula de vidro e piso de mármore, emula os antigos casarões do charmoso bairro de San Telmo. O foco aqui é a carne maturada, prepara meticulosamente num forno Josper, a carvão. O rib eye de angus maturado a seco é espetacular, macio e muito saboroso, acompanhado de um chimi churri muito bem equilibrado. Além dos bem selecionados vinhos, a casa serve o menu de coqueteis espetacular do vizinho Pony Line.


As carnes são o principal destaque do Elena (foto: divulgação)
As carnes são o principal destaque do Elena (foto: divulgação)
23:00 El Boliche de Roberto

Buenos Aires abriga dezenas de milongas, mas poucas guardam a atmosfera original do tango como o lendário El Boliche de Roberto, inaugurado em 1894 no bairro de Almagro. O espaço já foi palco para jovens músicos que mais tarde se tornariam grandes nomes do gênero, e até hoje recebe artistas que mantêm viva a tradição portenha. As paredes antigas, as mesas de madeira e a iluminação tênue criam o cenário perfeito para uma noite em que o tempo parece ter parado. Sempre cheio de gente em busca de boa música, o lugar funciona como um refúgio da boemia, onde a história do tango continua pulsando ao ritmo das violas e dos bandoneones.


Domingo


10:00 Dia de feira

Aos domingos, o bairro de San Telmo se veste de festa. A célebre Feira de San Telmo, idealizada em 1970 pelo arquiteto José María Peña para reanimar um bairro quase esquecido, transforma a Plaza Dorrego e as ruas à volta em um tapete vivo de sonoridades, cores e memórias. São cerca de 270 bancas que se estendem por quase um quilômetro ao longo da Rua Defensa, principalmente com arte popular e antiguidades, itens que são sérios candidatos a capsulinhas da sua viagem pela capital argentina.


Antiguidades é uma das especialidades da Feira de San Telmo (foto: divulgação)
Antiguidades é uma das especialidades da Feira de San Telmo (foto: divulgação)

Entre móveis, retratos, discos, talheres antigos, esculturas e retratos de Evita e Gardel, os artistas de rua preenchem o ar com seus instrumentos, tango e gestos teatrais.


Quase escondido pelas barracas fica o Museu de Buenos Aires, instalado em uma antiga casa colonial do século XIX, preserva a memória portenha em objetos cotidianos e exposições curiosas, como a dos expoentes do rock na cidade. Aqui nomes conhecidos como Gustavo Cerati e Fito Paez dividem espaço com artistas pouco ouvidos pelo público brasileiro como Rosario Bléfari, Fabiana Cantilo e a banda Manal. Tudo com códigos escaneáveis que levam o visitante até playlists dos artistas no Spotify.


13:00 Carne para finalizar

Para o almoço, a pedida é o Café San Juan, restaurante que mistura a cozinha argentina com influências mediterrâneas. O ambiente é descontraído, com uma cara de boteco, mas não se engane. O que sai da cozinha do chef Leandro Cristóbal é comida de altíssimo nível, com ingredientes locais de muito boa qualidade. Se quiser sair com uma impressão ainda melhor da carne argentina, peça o Ojo de Bife al Sartén (foto), que vem com chimichurri e batatas salteadas. Para além dos diversos preparos com carne, a casa também oferece opção vegetariana. A carta de vinhos é bem diversificada, com rótulos nacionais e estrangeiros de boa qualidade, em garrafas ou taça.


Preparo de carne do Café San Juan (foto: Roberto Maxwell)
Preparo de carne do Café San Juan (foto: Roberto Maxwell)
15:00 Últimas compras

Para fechar a estadia em Buenos Aires, nada melhor do que uma caminhada pelas ruas do seu bairro mais emblemático. Porque, além da feira dominical, San Telmo também tem charmosas ruas de paralelepípedo, com edifícios neoclássicos quase sempre muito bem preservados, além de um agitado comércio. Não deixe de levar uns agrados para os amigos da Dulce de Leche & Co, que fica bem próxima da estátua da Mafalda, um dos personagens de quadrinhos mais queridos da Argentina. A La Uvateca é uma pequena loja de bebidas que foca em rótulos de alta qualidade de pequenos produtores. Além dos vinhos, a casa trabalha com vermutes, dos clássicos aos mais inovadores.


E, claro, encontre um tempinho para visitar o Mercado de San Telmo. Inaugurado em 1897 e obra do arquiteto Juan Antonio Buschiazzo, o espaço de estrutura de pilares metálicos têm vitrôs no teto, amplos arcos e piso de mármore de Carrara. Nascido como um ponto de abastecimento popular para a nova leva de imigrantes europeus que chegara à cidade, o mercado hoje é formado por lojinhas de diversos estilos e pequenos restaurantes e cafés que vão das empanadas às culinárias regionais do país e internacionais.


E vá se preparando para a despedida desta cidade que parece nunca ter fim. Aqui, cada esquina guarda um detalhe, cada bairro revela novas histórias. A capital argentina é para ser redescoberta a cada visita. Sendo assim, o adeus é apenas um intervalo — porque Buenos Aires é aquela cidade que sempre te chama de volta.



Colaboração: Guilherme Nobre (@o.guilherme.nobre) Agradecimentos: Sebastián Arismendi, guia de turismo em Buenos Aires (@cachalote94)

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