Após uma explosão de casos de covid-19, o evento foi cancelado poucos dias após a inauguração
Ao atravessar de noite o enorme portal de madeira do templo budista Toji, me deparei com um enorme pátio iluminado e salteado de cores. Uma peculiar trilha sonora preenchia a atmosfera da construção erguida no ano de 796 para ser a guardiã espiritual da antiga capital. Patrimônio da Humanidade e um dos espaços sagrados mais importantes de Kyoto, o Toji é bem menos visitado pelos turistas estrangeiros do que, por exemplo, o Pavilhão Dourado do Kinkakuji. Isso, de certo modo, nem é ruim. Com a nuvem negra do overturismo pairando sobre a cidade, ter um espaço mais tranquilo como opção de passeio é quase uma dádiva.
Mas calmaria não era exatamente o que estava prestes no local com a inauguração da exposição TeamLab Toji Hikari no Matsuri que prometeu trazer, como o nome diz, um festival de luzes para o templo milenar. Mesmo com a pandemia, o turismo interno já estava sendo incentivado pelas autoridades, embora sob criticas pesadas. Prevista para ser aberta no dia 6 de agosto, a exposição ficaria em cartaz até o terceiro domingo de setembro. Era certeza de sucesso, como tudo que tem a assinatura do teamLab, coletivo mundialmente reconhecido por estar na vanguarda de arte digital interativa.
Eu mesma esperava ansiosamente pelo momento da inauguração. Sou frequentadora do Toji, um templo que eu conheço muito bem. Todo dia 21, o espaço é o palco de uma feirinha que atrai gente de toda a cidade. Conhecido pelos locais como Kobo-san, o mercado tem barraquinhas de antiguidade, quimonos, comidas e plantas que me fazem ficar horas e horas circulando até sair dele com enormes sacolas. Lá estava eu pela enésima vez no Toji mas, desta vez, a coisa foi diferente. A feira deu lugar a 8 diferentes propostas digitais de arte interativas, um espetáculo de luz, som e movimento que faz a atmosfera do local se tornar ainda mais mística e acolhedora.
Famoso — e extremamente popular — por usar a tecnologia para produzir arte digital em espaços e construções sem modificá-los fisicamente, o teamLab — mais uma vez — conseguiu me transportar para um mundo em que sonho e realidade se confundem. É uma experiência sensorial nada estática, na qual quem visita é parte integrante das obras.
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Uma delas, por exemplo, é um mar de bolas ovais flutuantes. Você pode tocar — ou apenas se aproximar — e elas mudam de cor. Já o Kondo — o prédio principal do complexo, reconstruído no século 15 — ganhou uma projeção mapeada com escritos em japonês chamadas pelo grupo de "O Livro do Vazio". As inscrições, de inspiração budista, podem não ser entendidas por quem não lê japonês mas, sem dúvida, é possível sentir o poder das palavras sobre a construção sagrada.
O Hyotan, um lago que compõe o complexo, também virou cenário para uma obra, com lâmpadas flutuantes equipadas com sensores que respondem ao movimento. Quando uma luz se acende também afeta a vizinha, gerando uma relação entre os componentes da instalação. Aliás, o mesmo ocorre com as árvores que estão no entorno e formam uma outra obra, também sensível ao movimento. Tudo forma uma inacreditável, quase idílica composição com a pagoda iluminada ao fundo.
Em suma, ao usar como tela as árvores, portais, construções de madeira e outros elementos do complexo sagrado, o coletivo recriou de forma profunda a percepção que eu tenho sobre este lugar que me é muito familiar. Não tem como não se encantar!
Eu estava cheia de ideias para este texto, dicas como chegar mais perto das instalações para surpreender quem visita. Mas, infelizmente, nada vai ser muito útil. O terceiro dia de visitações coincidiu com um crescimento recorde no número de infecções pelo coronavírus e a exposição foi cancelada. Fica na memória esta experiência do dia em que eu saí do Toji cheia. Não de sacolas repletas de relíquias mas, sim, de alegria e encantamento.
Tata Meraki reside em Kyoto desde 2017. É especialista em chá verde e atua como jornalista e guia de turismo.
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