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Beber ou degustar?

newsletter - Carta de Notícias por Roberto Maxwell

Minha experiência com o saquê mostra que a bebida vai muito além do pileque — e das tentativas do governo japonês de aumentar a arrecadação de impostos

Roberto Maxwell

20 de ago. de 2022

Nesta edição, compartilho com vocês a minha lista privada “Noite sozinho com saquê”. É aquela playlist que eu boto para tocar quando quero curtir um saquê numa boa, sozinho. As canções são soft pop, com alguma coisa de dance music. Toque aqui ou no player abaixo.

Que tal esta chamada?

“Governo do Japão quer incentivar os jovens a beber mais álcool” (Folha de S. Paulo)

E esta?

“Japão pede para população beber mais álcool para ajudar economia” (Isto É)

Tinha um texto quase todo pronto para lançar esta Carta de Notícias quando comecei a ser bombardeado de directs com links para matérias sobre a Sake Viva!, uma campanha do governo japonês para “incentivar o consumo de álcool entre jovens”. O assunto é bem delicado porque, afinal, estamos falando de uma bebida que vicia. Por isso, não me estranha o destaque e a repercussão que a história está tendo.


Em poucas palavras, a Sake Viva! surgiu de uma constatação: cada vez menos jovens consomem bebidas alcoólicas o que, em si, é uma grande notícia. Não é nenhuma novidade que o alcoolismo se manifesta na adolescência e se aprofunda na juventude. Além disso, pessoas mais novas costumam beber descontroladamente, como forma de perder a inibição ou de se sentir parte do grupo. Acidentes causados pelo consumo excessivo do álcool não são raros. Mesmo assim, as garrafas estão super disponíveis nas prateleiras. Basta esticar o braço. Ou seja, o consumo de álcool pode ser, sim, perigoso e letal.


Porém, a produção e venda de bebidas alcoólicas é o sustento de muitas famílias. Embora, claro, também encha os bolsos de muitas corporações e, por tabela, do Estado. Impostos sobre álcool costumam ser altíssimos em todo o mundo. Sendo assim, as reportagens estão retratando que o governo japonês lançou a Sake Viva! com o intuito de aumentar a arrecadação de impostos.


Acontece que, no meio disso tudo, estão os produtores artesanais de saquê e outras bebidas. São pequenas fábricas que desenvolveram produtos e vêm atendendo o mercado, muitas vezes localmente, por gerações. Basta visitar uma delas para você ver o empenho desses produtores e produtoras em continuar existindo. Ter uma fábrica artesanal de bebidas no Japão atual é um desafio de escala inversamente proporcional ao dinheiro que elas geram. A maioria sequer imagina isso.


Os jovens nem passam perto desse tipo de produto artesanal. Quando consomem álcool, eles vão à prateleira das lojas de conveniência comprar bebidas enlatadas produzidas em massa. Em muitos casos, cheias de aditivos químicos duvidosos. Muitas vezes, essas bebidas são ricas em açúcares para serem mais palatáveis. E, claro, têm preço baixíssimo para que essa galerinha, que é em sua maioria estudante, beba muito gastando pouco.


É tudo o que não queremos.


Aqui em casa, tenho um exemplo. Meu companheiro é japonês e tem 26 anos. Ele nunca tinha tomado saquê na vida até me conhecer. Cerveja, chuhai, highball enlatado: tudo isso ele já tinha provado. São as bebidas disponíveis aos borbotões nas lojas de conveniência.



O arroz é polido para a produção da bebida (foto: Roberto Maxwell)


Quando ele voltou de uma temporada de trabalho no Brasil, eu já estava afiado nos estudos de saquê. Comecei a introduzir a bebida nas nossas noites de séries e programas de TV. Sempre escolhia um rótulo especial, preparava uma tábua com bons queijos, frios, frutas e duas taças lindas. Ah, e muita água.


Era apenas uma garrafa. Raramente passamos disso. Ninguém ficava bêbado.


(Pausa. Os verbos no passado significam que não podemos mais fazer isso porque, no momento, ele vive em outro país. Não preciso dizer como esses momentos me fazem falta. Segue a fita.)



#saqueijo: harmonização entre saquês e queijos em casa (foto: Roberto Maxwell)


Ao longo do tempo, senti que esses momentos aumentavam nossa conexão. Mas não era só isso. Desenvolvíamos juntos o nosso paladar para a bebida e aprendíamos mais. Juntos. Sem querer ser pernóstico, mas não estávamos bebendo.

Isso se chama degustar.


E, no final das contas, a gente estava trazendo para casa um produto artesanal, de alto nível. Eu compro, a fábrica artesanal vende e todos ficam felizes. E, mais importante: ninguém ficou bêbado, ninguém arrumou briga na rua, estamos vivos e bem para contar a história.


Saquê, para mim, é isso.


Não sei se a Sake Viva! vai encontrar projetos que estimulem esse tipo de consumo de álcool. Nem tenho muita esperança que isso aconteça, para ser sincero. Vamos combinar que o governo japonês já deixou muito furo em campanhas e projetos cheios de boas intenções.


Particularmente, sigo aqui na minha cruzada para trazer para você experiências vivas e reais de degustação de saquê. Quero que você viaje comigo nos sabores, nos aromas e nas histórias por trás deste fermentado japonês. Me interessa te trazer os aspectos gastronômicos e culturais da bebida para que você possa ter vivências ricas e boas memórias com ela. E este é o tema da nossa Carta de Notícias. Vambora!


O que exatamente é o saquê

“Vinho de arroz” é uma expressão muito usada para se referir ao saquê no Brasil e no exterior. Esquece isso. É cafona, colonizado, desatualizado e, principalmente, incorreto. Como o vinho, o saquê é uma bebida fermentada. Então, abandone também a ideia de que o saquê é a “cachaça dos japoneses”. A nossa pinga é um destilado, ou seja, tem outra natureza.


Se formos comparar o saquê com alguma outra bebida, a mais próxima seria a cerveja. Isso porque ambas são feitas a partir de cereais. Isso quer dizer que, em comparação com o vinho, extrair álcool de suas matérias-primas é um processo um pouco mais complicado. Cereais contêm açúcar na forma de amido. Para chegar até o álcool, é preciso obter açúcares mais simples, como o contido naturalmente nas frutas. Por isso, para fazer a cerveja e o saquê são necessários dois processos: a sacarificação e a fermentação.



Mestre Fujita preparando do arroz para a inoculação (foto: Roberto Maxwell)


Na cerveja, os processos de sacarificação e fermentação são feitos em duas etapas. Já no saquê tudo ocorre ao mesmo tempo, no mesmo tanque. Isso é chamado de fermentação paralela múltipla.


A sacarificação é função do koji-kin (ou simplesmente koji), um fungo que é inoculado no arroz polido, lavado e cozido. Dentro do mosto, esse microrganismo quebra as cadeias de amido em açúcares mais simples, abrindo as portas para o próximo processo que é a fermentação. Para isso, é necessária uma cultura de leveduras que pode ser entendida como um starter. As leveduras são cultivadas em um recipiente, num processo que pode levar de duas a cinco semanas, dependendo do método utilizado.


Junte o arroz inoculado com o koji, o starter de fermentação com mais arroz e água e teremos o mosto. Ele é formado em um tanque grande, quase sempre de metal. Ali naquela massa, os microorganismos começam a agir: o koji se alimenta do amido e excreta, dentre outras coisas, açúcares simples. Já as leveduras usam esses açúcares e os transforma em álcool e gás carbônico. Para manter este equilíbrio, uma boa dose de ácido láctico é necessária. Ele ajuda a matar os microorganismos que não são bem-vindos na produção do saquê.


Agora, imagina tudo isso rolando dentro de um tanque?


É um universo inteiro, cheio de vida, se desenvolvendo como uma orquestra. Por isso é fácil de entender porque os japoneses dizem que o saquê é uma dádiva dos deuses.





Presente de um deus rebelde

O saquê está presente em diversos rituais religiosos e sociais japoneses. Durante a cerimônia de casamento xintoísta, por exemplo, os noivos brindam com saquê usando uma copa rasa chamada de sakazuki. Garrafas da bebida são oferecidas como oferendas aos mortos nos cemitérios e santuários. Em inaugurações, também é costumeiro abrir um barril de saquê com um martelo.


O fermentado também é onipresente na mitologia. Conta-se que o saquê teria surgido durante as peripécias do deus Susano-o no planeta Terra. Nenhuma divindade poderia ter sido a mais adequada para protagonizar essa lenda. O filho dos deuses primordiais Izanami e Izanagi era tido como problemático. O Nihon Shogi, segundo livro mais antigo sobre a história e mitos do Japão, o define como um cara “de natureza perversa, sempre atrás de problemas e de ódio”. Em outros casos, ele é visto como uma espécie de dândi.


De qualquer modo, Susano-o fugia dos padrões e, por conta disso, é expulso do convívio com os outros deuses e mandado, vejam só, para a Terra.



Sakazuki, copa cerimonial para beber saquê (imagem: kkphoto/Photo AC)


Apesar de suas aparições nas lendas serem bastante contraditórias, parece que Susano-o teria encontrado seu propósito por aqui. O deus é, inclusive, associado também ao cultivo do arroz e aparece ajudando os camponeses em muitas situações. Uma delas tem a ver com o saquê.


A história se passa no que hoje chamamos de província de Shimane, na costa banhada pelo Mar do Japão. Certo dia, vagando pelo planeta, o deus encontrou um casal chorando sentado em uma pedra. Perguntados sobre o motivo de tanta tristeza, eo homem e a mulher contaram a Susano-o que tinham várias filhas. Mas que todo ano um dragão de sete cabeças atacava a vila onde viviam e comia uma delas. A próxima visita estava por chegar e restava ao casal apenas uma das meninas. Eles não queriam perdê-la. 


O deus, então, decidiu ajudá-los. Pediu para que o homem reunisse o máximo de madeira que conseguisse e fizesse uma cerca gigante, com oito janelas. À mulher, ele pediu que preparasse baldes cheios de arroz cozido e água e os colocasse embaixo de cada uma das janelas. Susano-o saiu iria caçar o dragão e pediu para que a família encontrasse abrigo. 


Assim foi feito. Passado algum tempo, o deus encontrou o dragão e o atraiu pelos vales sinuosos da região. Enfurecido, o ser perseguia o provocador até que chegou a uma enorme cerca com janelas, atrás da qual a divindade tinha se escondido. O dragão enfiou a cabeça nas janelinhas e, com o seu faro super aguçado, sentiu um aroma adocicado no ar. O animal entendeu que ele vinha das bacias e começou a beber do líquido que tinha dentro delas.



Saquês da linha Hanzo da Ota Shuzo (foto: Roberto Maxwell)


Em pouco tempo, o bichão começou a se sentir tonto e abobado. Estava embriagado. Susano-o, então, aproveitou a oportunidade e usou sua espada para aniquilar o poderoso dragão, cortando suas cabeças. Assim, ele acabou com a maldição da família e desposou a filha dos camponeses e deixou como herança para a Humanidade o saquê, essa bebida que é deliciosa mas que pode te fazer perder a cabeça.


A cena do saquê hoje

O Japão é o país da cerveja. Ou, pelo menos, dos cervejeiros. O fermentado de cevada é a bebida alcoólica mais produzida e consumida na Terra do Sol Nascente. Dados de uma pesquisa de 2020 do Instituto Hakuhodo, fundado por uma das mais importantes agências de publicidade do país para pesquisas sobre a vida cotidiana no Japão e em outros países da Ásia, mostram que 38,3% dos japoneses que gostam de bebidas alcoólicas preferem beber cerveja. É mais que o dobro do segundo colocado, o chuhai (15,2%), e bem à frente do vinho e do saquê (8,5%).


O número de fábricas em atividade no Japão hoje é de cerca de 1200, talvez um pouco menos, já que muitas fecharam durante a pandemia. Mesmo com o consumo interno de saquê em queda, a real é que muita coisa nova vem rolando. Um dos caminhos é o resgate de antigas técnicas de produção. 


As mais badaladas são o kimoto e o yamahai, nas quais o starter de fermentação é produzido de forma natural. Explico. Como falei antes, o mosto de fermentação precisa de ácido láctico, um elemento que ajuda no equilíbrio da microbiota, evitando que a massa se estrague. A maioria das fábricas adiciona o ácido ao starter de fermentação. Isso agiliza o processo e torna o controle do mosto mais simples. Em outras palavras, é um modo mais seguro de produzir o saquê. 


Antes da adição química de ácido lático, os produtores da bebida precisavam produzi-lo por outros métodos. Tudo era feito de forma natural, por bactérias lácticas encontradas no ambiente da fábrica que caíam no starter de fermentação e faziam seu trabalho. Kimoto e yamahai são duas formas de produzir de forma natural o ácido láctico. São métodos que exigem esforço físico e mais tempo e cuidado para que o starter não dê errado. Parece contraprodutivo, mas os produtores estão resgatando essas técnicas porque, ao usá-las, os saquês ganham mais profundidade de sabor.



Bebendo saquê num restaurante em Tóquio (foto: Carlos Kato)


Algumas fábricas têm dado passos ainda mais radicais. Essas adotaram um sistema de produção 100% natural. Assim, os saquês são puro arroz (junmai) e só usam o cereal produzido de forma orgânica. Nada é adicionado ao produto. A Niida Honke, da província de Fukushima, é uma das que adotou este caminho. Eles estão indo tão fundo na ideia que voltaram a produzir saquês em barris de madeira gigantescos. A longo prazo, o objetivo é substituir todos os tanques de aço por correspondentes em madeira extraída de forma sustentável da floresta que fica atrás da fábrica.


Outro passo é aproximar o saquê de bebidas mais populares, como o vinho. Um dos caminhos é produzir rótulos com mais acidez. Isso pode ser feito com o uso de fungos diferentes dos comumente utilizados. Um exemplo disso é o rótulo Black Swan da Shirakiku, de Kyoto. Saquês normalmente são produzidos com o koji amarelo. Ele não produz ácido cítrico, o que reforça outros sabores. O Black Swan usa o koji preto, comumente usado na produção do awamori, uma bebida destilada. O koji preto traz acidez com citricidade para o saquê, criando um perfil de sabor completamente diferente do conhecido para o saquê, mais para o agridoce.


Envelhecer o saquê também tem sido um caminho novo para os produtores. Normalmente, o fermentado japonês passa por um período curto de maturação de cerca de um ano depois que é extraído do mosto. Este saquê “novo” tem cor transparente. Depois disso, a ideia é que ele vá para as prateleiras e seja consumido rapidamente, em especial depois de aberto. No entanto, alguns produtores estão se especializando em algo chamado de koshu, o saquê envelhecido. Com o envelhecimento, a bebida ganha uma coloração dourada ou âmbar. O koshu também costuma ter perfis de sabor mais acastanhados, por vezes adocicados. Nessa linha, a Shimazaki, da província de Tochigi, é um bom exemplo. A fábrica tem envelhecido seus saquês em cave. A Shimazaki decidiu usar um túnel construído como abrigo numa montanha durante a Segunda Guerra Mundial para este fim. A cave, inclusive, é aberta para visitação.



Envelhecer saquês em caves é uma nova tendência (foto: Roberto Maxwell)


Esses são apenas alguns caminhos. As fábricas têm feito diversas tentativas de chegar a produtos novos e de antigir um público maior. Tem surtido efeito, de certo modo. O saquê nunca foi tão falado e consumido… fora do Japão. O crescimento no exterior reflete o encontro do saquê com um público que não quer se embriagar mas, sim, que busca degustar e conhecer produtos de alta qualidade. É esse caminho que a maioria dos produtores quer pro mercado interno. Embebedar os jovens, como as matérias publicadas no exterior parecem sugerir, passa longe da intenção de quem produz saquê de forma artesanal.


Como consumir saquê na sua viagem ao Japão

Bem, você veio parar no outro lado do mundo e sua ideia, claro, é aproveitar o máximo possível. Comer (e beber) bem é uma das coisas que eu recomendo para quem vem ao país. São várias as possibilidades de encontrar saquês de boa qualidade no Japão. Vou listar algumas delas.


Visite uma fábrica

Ir direto à fonte pode ser uma experiência que une o útil ao agradável. Além de aprender mais sobre a produção do saquê, você vai poder fazer degustação da bebida e, em alguns casos, até ter uma experiência de harmonização completa. Lamentavelmente, ainda é um caminho pouco explorado pelos produtores de saquê.

Muitas fábricas têm algum tipo de programa de visitação. Mas nem sempre a atividade é adequada para quem não fala japonês. Neste caso, claro, fazer a visitação com um guia pode ajudar muito. Eu mesmo adoro levar meus clientes em fábricas de saquê. Com a pandemia, as atividades foram colocadas em pausa. Mas muitas fábricas estão retomando as visitações e é provável que novidades surjam neste campo.



Visita guiada à fábrica da Hakoneyama (foto: Roberto Maxwell)

Coma/beba num sake bar

Praticamente todo restaurante de comida japonesa tem saquês na carta de bebidas. Saquê em japonês se fala “nihonshu” e, se o menu não for muito claro, basta pedir ao garçom dessa forma. No entanto, os sake bars são o suprassumo da experiência de harmonização. A diferença deles prum izakaya é o tratamento com o saquê.

Como o fermentado é a estrela, os cuidados com as garrafas são ainda maiores que em restaurantes e izakayas. Além disso, o foco na curadoria é muito maior. Isso sem contar, claro, com a comida que é pensada para harmonizar com os rótulos. É uma experiência que vale muito a pena.


Compre saquê em lojas especializadas

Parece óbvia a dica, mas faz muita gente deixa de procurar lojas especializadas na hora de consumir saquê. Em geral, a pessoa deixa para comprar no free shop e raramente sai com algo realmente especial. Aliás, corre o risco até de comprar um rótulo que está disponível no país em que mora, já que raramente pequenas marcas conseguem entrar nessas lojas.


Então, tire um momento para visitar uma loja especializada. Em muitos casos, infelizmente, as informações estarão em japonês. Mas umas palavrinhas em inglês podem ajudar. Sweet (suave) ou dry (seco), por exemplo, já ajudam a definir o perfil de sabor de um saquê. Se você quiser arrasar no japonês, pode usar também amakuchi (fala-se “amá-kutchi”/suave) ou karakuchi (fala-se “kará-kutchi”/seco). Use, também, outras palavrinhas mágicas: nihonshu (saquê) e o-susume (fala-se “ossussumê”/sugestão).


E se você tomou algum saquê no caminho que amou, tire fotos dos dois lados do rótulo. Ainda não temos um aplicativo para saquê tão efetivo quanto o Vivino que reconheça as informações nele contidas. Mas, se quiser procurar o saquê em lojas ou consultar especialistas, a parte traseira do rótulo é bem útil. São tantos produtos no mercado que mesmo os mais nerds identificariam tudo somente através da parte da frente da garrafa. Então, registre também a parte de trás.

Tenha em mente que nem todos os rótulos são vendidos em qualquer loja. As fábricas, em especial as menores, tendem a ter contratos com algumas lojas, o que funciona como um incentivo para o vendedor. Tente achar o site da produtora do saquê que você gostou. Algumas têm sites em inglês. Quase sempre a empresa fornece o endereço dos vendedores locais.


Contrate uma tour de saquê

É meio que um jabá aqui, mas é inevitável. No fundo, uma experiência mais completa sempre fica melhor com um especialistas. Neste caso, fico confortável em me recomendar porque, além de apaixonado pela bebida, sou certificado pelo Sake Educational Council, tendo estudado com dois importantes mestres: o Fabio Ota, o brasileiro mais certificado no universo do saquê; e o John Gauntner, reconhecido como Sake Samurai — a principal honraria do universo do saquê a ser oferecida para um estrangeiro — e o profissional da bebida não-japonês mais respeitado do planeta.


Também sou um dos três únicos brasileiros a serem selecionados para a disputadíssima Sake & Shochu Academy organizada pela Associação Japonesa de Produtores de Sake & Shochu (JSS) e voltada para pessoas que trabalham como difusoras de conhecimentos sobre as bebidas tradicionais japonesas no mundo. Apenas cerca de 70 pessoas do planeta tiveram a oportunidade. Dentre outras experiências de formação, destaco, também, o curso de produção de saquê da Gakkogura, uma vivência prática incrível criada e gerida pela Ota Shuzo na ilha de Sado, aqui no Japão.



Eu na Gakkogura, na ilha de Sado (foto: arquivo pessoal)


Profissionalmente, organizei a primeira academia de shochu e awamori, destilados japoneses, no Brasil. A The Shochu Academy foi realizada em março de 2022 em São Paulo, com patrocínio da JSS e apoio do Consulado-geral do Japão em São Paulo e da Japan House. Na mesma época, fui um dos sommeliers convidados para a harmonização de saquês para os jantares promovidos pela edição 2022 do Sake Festival, organizado pela Mega Sake e pela Japan House.


Harmonizamos pratos de chefs de renome como Rodrigo Oliveira e Telma Shiraishi. Além disso, tenho oferecido cursos, palestras e vivências de saquê, no Brasil e no Japão, para particulares e a convite de instituições e organizações.

Por tudo isso, creio que posso te oferecer uma experiência personalizada de saquê na sua viagem ao Japão, com visita à fábrica ou a restaurantes e sake bars, dentre outras possibilidades. Faça contato através do meu site de viagens, o Tabiji. Conte comigo. Até a próxima!


Serviço

Algumas dicas de lugares para você se esbaldar na sua experiência de saquê no Japão e no Brasil. Com exceção do lámen e das lojas, evite ir sem reserva. Os restaurantes são pequenos e estão quase sempre lotados.


Izumibashi

Fábrica de saquê fundada em 1857 e com experiência de visita mais completa da Região Metropolitana de Tóquio. Fica na cidade de Ebina, um pouco distante do centro da capital, mas se você quer mesmo conhecer, não vai se arrepender. Além do espaço da fábrica, você consegue fazer degustações gratuitas e pagas na lojinha que é um antigo armazém adaptado. Fora do espaço de produção, a Izumibashi também tem um restaurante onde oferece harmonização. A comida é sensacional. As visitas só rolam aos sábados e precisam ser reservadas com antecedência e, no momento, estão em pausa. Mas anote na agenda.


Kanagawa-ken Ebina-shi Shimoimaizumi 5-5-1 [mapa]


izumibashi.com


Eureka!

Sake bar da chef e sommelier Chiba Marie, ex- GEM by Moto, que chega a encomendar rótulos exclusivos para o restaurante. Ela participa ativamente da produção destes saquês especiais e os resultados podem ser surpreendentes, como ocorreu com o Eikun Holic, um rótulo excepcional com aromas de uva moscatel e lichia. Embora ainda inferior à sua antiga, o Eureka! tem um saquê perfeito para cada prato e a recomendação é seguir as dicas da chef. Não tem erro.Tokyo-to Shibuya-ku Ebisu 1 Chome-30-9 [mapa]

instagram.com/eureka.sake


Hasegawa Saketen

É uma das mais interessantes redes de lojas especializadas em saquê do Japão. Eles têm uma curadoria muito interessante, com saquês de altíssima qualidade de todo o país. São várias lojas espalhadas por Tóquio e uma delas fica na estação central da megalópole. Quando embarco no trem-bala Shinkansen por lá, sempre pego um saquezinho mini para harmonizar com o bentô (marmitinha) que compro para comer durante a viagem. Aliás, na loja da estação, eles produzem também o doburoku, uma bebida que é feita como o saquê só que não é tão filtrada. Suave e gostoso.Tokyo-to Chiyoda-ku Marunouchi 1-9-1 GranSta B1 [mapa]

www.hasegawasaketen.com


Shimazaki ShuzoFábrica na província de Tochigi que produz diversos tipos de saquê, inclusive alguns koshu, envelhecido em caves. A visita à cave é realizada aos sábados, domingos e feriados, entre março e dezembro, e em algumas datas de janeiro e fevereiro, das 10 às 16 horas. A fábrica oferece um guia em tablet em inglês. Também é possível agendar uma experiência de degustação com a Nearby Tokyo, em inglês.

Tochigi-ken Nasukarasuyama-shi Kanaga Asatenjin 149 [mapa] (cave)

Tochigi-ken Nasukarasuyama-shi Chuo 1-11-18 [mapa] (fábrica)

azumarikishi.co.jp (em inglês e japonês)


Maen Sake Pairing RestaurantRecomendei na edição passada, mas não posso deixar de fora desta edição este pequeno restaurante entre os bairros de Ebisu e Hiroo que oferece um fantástico serviço de harmonização entre saquês e comida de inspiração francesa. Ouso dizer que é a melhor harmonização que já provei até hoje. Com produtos de Tokushima e Nagano, as províncias de origem do chef Ito Yuta e do sommelier Mikoshiba Satoru, a casa oferece pratos delicados mas cheios de personalidade com os saquês servidos em diferentes temperaturas para atingir os sabores desejados pelos profissionais que pilotam o restaurante. Reserve pelo Ikyu.

Tokyo-to Shibuya-ku Hiroo, 1-16-1 Ebisu Hiroo Square 7º andar [mapa]


Menya SignHarmonizar lámen com qualquer bebida é um desafio. Mas este pequeno restaurante em Gotanda, Tóquio, topou encará-lo. A proposta deles é fazer um combo de lámen com saquê que você deve comprar numa máquina, já na entrada. A casa tem duas opções de sopa: shoyu e shio (sal). Já os rótulos mudam de acordo com a disponibilidade, mas o restaurante garante ter sempre uma saquê adequado para cada tigela. Com a proposta, o Menya Sign entrou na lista Bib Gourmand do Guia Michelin 2022. É uma experiência bacana.

Tokyo-to Shinagawa-ku Nishi-gotanda 2-18-3 [mapa]

twitter.com/menyasign


Kubota Sake Bar

Quando mais simples, melhor, não acham? O Kubota fica no subsolo do Shibuya Parco, numa das regiões mais movimentadas da cidade. O foco principal são os saquês da marca Kubota, mas há uma série de outras opções, de fábricas de várias partes do Japão. As comidinhas são simples, mas nem são o foco. O negócio ali é bebericar e encontrar os amigos.

okyo-to Shibuya-ku Udagawacho 15-1 - Shibuya Parco, subsolo



Chisou Inaseya

Izakaya de altíssimo nível em Kyoto com uma seleção sensacional de saquês e comidinhas deliciosas. É aquele tipo de experiência muito local. Já na entrada do prédio de madeira, as calçadinhas de pedra são um charme. Infelizmente, aqui o menu físico é todo em japonês. Fiz uns testes no Google Translator e ele até ajuda um pouco. Mas o site do restaurante tem menu em inglês. O link está abaixo. No mais, tenha paciência e entenda a dificuldade de comunicação como parte da experiência.

Kyoto-fu Kyoto-shi Nakagyo-ku Aburaya-Cho 93 [mapa]

www.kubota-sake-bar.com


chisouinaseya.com


Fishman/Sakanaotoko

Outro izakaya sensacional, desta vez em Fukuoka. O menu de saquês é super bacana e traz produtos da ilha de Kyushu, que é mais quente que boa parte do país e, portanto, mais adequada à produção do shochu, uma bebida destilada. Eles dividem a carta de saquês em “clássicos” e “modernos”, o que também ajuda na degustação. As comidinhas são sensacionais. Adorei, por exemplo, a tortinha de batata com wagyu. O ambiente do lugar também é super agradável, com trilha sonora selecionada a dedo pelo DJ Towa Tei, ex-Deee Lite.

Fukuoka-ken Fukuoka-shi Chuo-ku Imaizumi 1-4-23 [mapa]

sakanaotoko.com


Marutake

Este é considerado um dos melhores izakaya de Sendai. Com pratos clássicos, como o buta no kakuni e peixe grelhado, o restaurante também tem uma carta inigualável de saquês da província de Miyagi. Aliás, recomendo muito os frutos do mar que são muito bons na região. A atmosfera do espaço, que parece o interior de uma antiga casa japonesa, é o famoso plus a mais.

Miyagi-ken Sendai-shi Aoba-ku Ichibancho 4−6−15 Edifício Kanemaru Térreo [mapa]

marutake-sendai.gorp.jp


Kurashu

Loja de saquê online em inglês pilotadas pelos alemães Ben Knopp e Phillip Maas que foi meu colega no curso de produção de saquê na ilha de Sado e meu calouro na Sake & Shochu Academy da JSS. Ambos são apaixonados pela bebida e fizeram uma seleção muito boa de saquês de diversas partes do país e, para ajudar a quem não manja muito da história, eles criaram um teste que recolhe informações sobre o seu paladar e te indica saquês que podem interessar. O site é muito bem feito, com informações bem acuradas sobre os saquês e entrega em todo o território japonês. Mesmo que você não more aqui, fazer o pedido pelo site para entregar no hotel é uma boa ideia. Vira e mexe eles organizam eventos de saquê, também. Vale colar no Insta deles.


www.kurashu.jp


Mega Sake

Para mim, a melhor loja de saquê do Brasil. E não é porque o proprietário Fabio Ota é meu amigo e professor. É porque ele sabe muito sobre a bebida e faz a curadoria mais inteligente do país. A loja tem uma seleção pequena, mas com produtos de altíssima qualidade e diferentes preços, que ele importa do Japão em containeres refrigerados. Isso quer dizer que a Mega Sake consegue garantir a integridade da bebida durante o trajeto até o Brasil, o que faz muita diferença no produto consumido aí. Além disso, o atendimento na loja é de alto nível. Eles têm uma máquina para a degustação no local, além de venda online.

Alameda Joaquim Eugênio de Lima, 1416 - Jardim Paulista, São Paulo - SP [mapa]

megasake.com.br


Spice Fish

Um dos asiáticos mais interessantes da Cidade Maravilhosa, o Spice Fish tem uma carta de saquês muito bem montada pela sommelière e especialista em ometenashi Yasmin Yonashiro. O chef Emmerson Kim, com passagens por importantes restaurantes da Europa, é jovem e montou um cardápio antenadíssimo e sem as afetações e os maneirismos que a gente costuma ver em menus de restaurantes asiáticos no Brasil. Já as sobremesas estão a cargo do chef patissier Cesar Yukio, o que é sempre garantia de coisa boa. Com sorte, você encontra a Yasmin por lá e tenho certeza que ela vai te indicar o melhor saquê para cada prato.

Rua Maria Quitéria, 99 - Ipanema, Rio de Janeiro - RJ [mapa]

spicyfishaf.com.br

Saqueteca

Quer comprar alguns saquês especiais? Aqui vão seis dicas de rótulos que estão sempre na minha geladeira.


Kan-atsurae (Niida Honke/Fukushima)

Sem dúvidas, meu saquê preferido. Aliás, não tomei um rótulo da Niida Honke que não tenha me encantado. Mas este é realmemte muito especial e quebra muitos paradigmas sobre a bebida. O Kan-atsurae é um puro arroz, produzido no método kimoto sobre o qual falo lá no texto. Feito de forma 100% natural, o rótulo foi pensado para ser bebido quente. Mas a real é que ele é extremamente versátil, tanto em temperatura quanto em harmonização. Foi bem com queijos e pratos de carne mas, também, não fez feio com saladas. Tem leves notas de mel e caramelo e é um comfort sake, ou seja, me apropriando de uma expressão da amiga sommelière Andrea Machado, cada goladinha é como se fosse um abraço.

no Brasil: Megasake

no Japão: Niida Honke


Kurumazaka Yamahai Junmai Daiginjo (Yoshimura Hideo/Wakayama)

Produzido por uma das maiores especialistas em yamahai do Japão, a mestre Fujita Akiko, o saquê é de uma profundidade incrível. As notas levemente frutadas de sabor são arredondadas através do umami deste puro arroz com alto grau de polimento. Harmoniza muito bem com peixes e outros frutos do mar, mas não nega carnes vermelhas.

no Brasil: Nishiki

no Japão: Rakuten


Toko Chokarakuchi Junmai Ginjo (Kojima Sohonten/Yamagata)

Saquê com perfil seco, excelente para harmonização com comidas, em especial com carnes, especialidade da região montanhosa onde é produzido, a cidade de Yonezawa. “Chokarakuchi” quer dizer “muito seco” e, honestamente, tive um certo receio quando fui provar esse saquê pela primeira vez. No entanto, ele é extremamente equilibrado e tem um residual super limpo. Ou seja, mudou a minha ideia sobre saquês super secos.

no Brasil: Megasake

no Japão: Rakuten



Toko Chokarakuchi Junmai Ginjo da Kojima Sohonten (foto: Roberto Maxwell)

Hanzo & Junmai Daiginjo Aiyama (Ota Shuzo/Mie)

Saquê raro produzido com um arroz de Hokkaido, no norte do Japão, o Aiyama do nome. É um puro arroz de alto refinamento, com notas de morango no aroma e sabores frutados, levemente adocicados. É aquele tipo de saquê que para bebericar, com calma e tranquilidade, quem sabe sozinho e ouvindo um som como o da playlist.

no Brasil: indisponível

no Japão: Yahoo Shopping


Aramasa Kijoshu Hinotori (Aramasa/Akita)

O kijoshu é um tipo de saquê que utiliza saquês de antigas safras no processo de produção de um novo saquê. Isso traz uma delicada doçura para o produto final que neste Hinotori vem acompanhado de uma acidez deliciosa. Isso faz dele um saquê de sobremesa ideal, apesar do preço que anda inflacionado. Sua produtora, a Aramasa, fábrica que está se especializando em produção limitada de rótulos. Então, os preços sobem à medida que as safras vão se esgotando, o que ocorre rapidamente.

no Brasil: indisponível

no Japão: Rakuten


Black Swan (Shirakiku/Kyoto)

Produzido com koji preto, este é o saquê que eu citei no corpo do texto. De todos, é talvez o mais funky, expressão que os gringos usam para definir rótulos que saem fora do perfil de sabor e aroma esperado para a bebida. É um saquê que eu não apenas costumo ter em casa, como faz parte da minha lista de presentes para amigos especiais. Muito equilibrado, ele tem uma doçura leve, acompanhada de uma acidez bem pronunciada.

no Brasil: indisponível

no Japão: Rakuten

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